10 fatos sobre as células imortais de Henrietta Lacks
A história de Henrietta Lacks é tão surpreendente quanto milagrosa.
Negra, pobre e plantadora de fumo no sul do estado da Virgínia, nos
Estados Unidos, Henrietta foi diagnosticada com um tipo de câncer do
colo do útero extremamente agressivo.
Os cientistas tinham tentado cultivar tecido humano em laboratório
por muitos anos, sem sucesso. Mas depois de realizarem uma biópsia no
tumor de Henrietta, a resposta finalmente veio. Os acontecimentos que se
seguiram criaram um efeito cascata tão grande que o mundo da medicina
nunca foi o mesmo.
10. O tumor de Henrietta produziu as primeiras células humanas imortais cultivadas em cultura
Em janeiro de 1951, Henrietta foi até a Clínica Ginecológica Johns
Hopkins depois que começou a sangrar profusamente. Ela foi diagnosticada
com câncer do colo do útero, teve uma pequena amostra retirada do seu
tumor e recebeu tratamento por radiação e cirúrgico. Infelizmente, o
câncer de Henrietta se espalhou tão rapidamente que nada poderia ser
feito para salvá-la. Ela morreu em outubro daquele ano.
A amostra de tecido de Henrietta foi enviada a George Otto Gey, o
chefe de pesquisa de cultura de tecidos na Universidade Johns Hopkins.
Durante anos, Gey tentou produzir uma linha de células que poderia viver
eternamente em um ambiente de laboratório – obviamente, sem sucesso.
Por fim, ele conseguiu usando sua própria técnica de cultivo. Ela
envolvia banhar as células num fluido de plasma de frango, extrato de
embrião bovino e soro do cordão da placenta humana. Após um período de
observação, Gey descobriu que as células de Henrietta estavam se
multiplicando rápida e continuamente.
Em menos de dois anos, amostras de tecido de Henrietta foram
embaladas com cuidado e distribuídas em todo o mundo. As células foram
chamadas células “HeLa”, usando as duas primeiras letras do primeiro e
último nome de Henrietta. Até o momento, o número de células HeLa
cultivadas se estendem por mais de 105 milhões de quilômetros, capaz de
circundar a linha do equador da Terra mais de três vezes.
Apesar de serem cancerosas, as células HeLa comportam-se como células
normais do corpo. Isso permitiu aos cientistas aprender como elas
reagiam em determinados ambientes. Possibilidades de pesquisa que um dia
estavam fora dos limites ou eram antiéticas de repente se tornaram uma
realidade à medida que os cientistas começaram a entender como a divisão
celular ocorre ou como um vírus afeta uma célula.O fim trágico de uma mulher foi o início de um futuro notável na ciência e na medicina.
9. Suas células foram retiradas sem o seu conhecimento ou consentimento
Na década de 1950, não era considerado antiético usar alguém em um
estudo científico sem a sua permissão ou fornecer tratamento médico não
autorizado. Não existiam leis para proteger os direitos de pessoas como
Henrietta, que tiveram sua privacidade violada pelos pesquisadores.
Gey inicialmente atribuiu o milagre científico para uma mulher
imaginária chamada “Helen Lane” na tentativa de esconder a verdadeira
identidade de Henrietta. Apenas muitos anos mais tarde a verdade veio à
tona.
Embora Henrietta absurdamente não tenha recebido o reconhecimento
merecido naquela época, Gey ao menos se dedicou a buscar avanços
verdadeiros com as células HeLa. Ele teria dedicado sua vida à pesquisa
da cultura celular, chegando a usar a sua família e a si mesmo em seus
estudos.
Sua única esperança para as células era de que elas tivessem o
impacto científico que realmente tiveram na época. Embora Gey tenha
passado por dificuldades financeiras, ele nunca vendeu nenhuma das
amostras de tecido de Henrietta. No entanto, muitas empresas e
indústrias iriam, mais tarde, lucrar a partir de células HeLa.
8. O caso das células imortais era um mistério para a medicina
Durante anos, os cientistas se confundiram quanto às razões pelas
quais as células cancerosas de Henrietta se replicavam de forma rápida e
agressiva sem morrer. Alguns propuseram que a causa deste comportamento
poderia ter sido uma combinação de vírus do papiloma humano (HPV) e o
DNA de Henrietta. Além disso, verificou-se que ela tinha sífilis, o que
resulta em um crescimento agressivo de células cancerosas devido a um
sistema imunológico enfraquecido.
Mesmo assim, os cientistas ainda levaram muitas décadas para chegar
perto de uma explicação que possa realmente ser considerada: não foi até
2013 que uma resposta provável veio à tona.De acordo com um estudo realizado por pesquisadores da Universidade
de Washington, o genoma alterado do HPV (que contém genes do câncer
próprios) inseriu-se perto de um oncogene (um gene que pode causar
câncer quando alterado) no genoma de Henrietta. Isso ativou o oncogene e
causou a rápida replicação de células HeLa no corpo de Henrietta.
Segundo os cientistas, o estado das células HeLa é particularmente
ruim, decorrente de uma série de fatores negativos e imprevisíveis. “O
vírus HPV se inseriu em seu genoma no que poderia ser a pior maneira
possível”, afirmou Andrew Adey, um dos autores do estudo.
7. A família Lack não tinha conhecimento sobre as células HeLa
Ainda que as células de Henrietta tenham ajudado a salvar milhões de vidas, nem ela nem sua família se beneficiaram disso.
Inicialmente, sua família não tinha ideia de que suas células tinham
sido utilizadas nas pesquisas que mudaram os rumos da ciência. Quando
Bobette Lacks, nora de Henrietta, coincidentemente encontrou um
pesquisador do câncer anos mais tarde, ela descobriu que as células de
Henrietta estavam crescendo desde a sua morte, em 1951.
Infelizmente, os tratamentos que foram desenvolvidos usando células
HeLa estavam fora de alcance para os Lacks. Como muitos outros sem
seguro-saúde, a família não podia pagar por este tipo de cuidado. O
marido de Henrietta tinha câncer de próstata, a sua filha mais velha
teve problemas de desenvolvimento e outra filha teve uma série de
problemas médicos que não podiam ser tratados sem os recursos
necessários. A família que deveria ter sido compensada pelo papel que
Henrietta teve simplesmente não foi.
Em uma reviravolta inesperada do destino, a família Lacks finalmente
recebeu alguma reparação em 2013 pela contribuição de sua matriarca –
mais de 60 anos depois de sua morte. Uma equipe de pesquisa no
Laboratório Europeu de Biologia Molecular tinha sequenciado e publicado o
genoma de Henrietta sem o consentimento de sua família.
Ao ouvir sobre a publicação, os netos de Henrietta sentiram que estas
novas pesquisas violavam ainda mais o histórico médico particular de
sua família. Eles tomaram uma posição e solicitaram que os cientistas
recolhessem seu estudo.
Infelizmente, ainda que fosse algo justo para a família e para a
memória de Henrietta, tal decisão teria prejudicado a pesquisa médica.
Então, a família finalmente concordou em permitir a publicação de grande
parte das informações sobre o genoma da matriarca.
6. As células HeLa foram fundamentais para a pesquisa do câncer precoce
Graças a estudos feitos com células HeLa, os pesquisadores têm
aprendido muito sobre o funcionamento das células cancerosas.
Descobriu-se que as células de Henrietta ativaram uma enzima chamada
telomerase utilizada para reparar o DNA danificado. Isto significa que
as células HeLa proliferavam e prosperavam em oposição às células
normais, que simplesmente morrem após um curto período de tempo.
Os cientistas também aprenderam que a telomerase incentivava o
alongamento dos cromossomos. Na divisão celular humana normal, os
telômeros (as pontas dos cromossomos) tornam-se mais curtos após cada
divisão. Depois de algum tempo, as células são destruídas, porque os
telômeros já não conseguem se encurtar.
Nas células HeLa, no entanto, este processo é um pouco diferente.
Como a telomerase é hiperativa nestas unidades estruturais, os telômeros
não se esgotam. A divisão contínua das células cancerosas que resulta
disso tornou a linhagem de células de vital importância para estudos de
câncer – mesmo hoje, tantas décadas e avanços tecnológicos depois.
Estas descobertas levaram a novas pesquisas que trouxeram avanços em tratamentos de câncer.
5. As células HeLa ajudado a progressão da pesquisa genética
Em 1953, um geneticista do Texas estava trabalhando com as células
HeLa quando uma substância química acidentalmente caiu sobre elas. No
entanto, este potencial desastre acabou por ser uma bênção surpresa.
Após observação, o cientista percebeu que os cromossomos dentro das
células aumentaram de tamanho e, essencialmente, se desembaraçaram,
tornando-se mais visíveis – cromossomos são compostos por longas fitas
duplas de DNA, totalmente emboladas.
Dois anos mais tarde, Joe Hin Tjio e Albert Levan desenvolveram uma
técnica melhorada que levou à descoberta de que as células humanas
normais definitivamente tem apenas 46 cromossomos. Antes desta
descoberta, tinha sido incrivelmente difícil contar os cromossomos
devido ao pequeno tamanho e estrutura compacta do DNA.
Até então, tinha sido amplamente aceito que os humanos tinham 48
cromossomos, da mesma maneira que chimpanzés e gorilas. Graças a Tjio e
Levan, esta teoria foi dissipada. Este achado foi monumental porque
permitiu o diagnóstico de doenças genéticas, já que agora podemos contar
quando as células de alguém têm mais ou menos de 46 cromossomos.
4. Pesquisas com as células HeLa levaram à criação da vacina contra o câncer do colo do útero
Em 2008, o virologista alemão Harald zur Hausen foi homenageado com o
Prêmio Nobel por sua descoberta decisiva de que duas cepas de HPV
estavam diretamente ligadas ao câncer cervical. Na década de 1970,
acreditava-se que o herpes simplex causava o câncer do colo do útero.
Mas zur Hausen, que trabalhava com a linha celular HeLa, descobriu
que os genes de certas estirpes do vírus, incluindo HPV16 e HPV18,
manobravam no interior das células do colo do útero e causavam a
replicação celular anormal.
Anos antes do sucesso de zur Hausen, os cientistas estavam buscando
uma vacina contra o HPV que impedisse o vírus e reduzisse o risco do
câncer cervical. Durante os anos 1990, os cientistas associados ao
Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos identificaram certas
proteínas na parte externa do vírus que eram semelhantes ao próprio
vírus. Este foi um importante avanço, uma vez que descobriu-se que as
proteínas estimulam o crescimento de anticorpos.
Toda esta pesquisa levou à formulação de Gardasil e Cervarix, duas
vacinas contra o HPV que estão no mercado hoje. Atualmente, meninas de 9
a 11 anos recebem a vacina, que deve ser dada em duas doses, pelo SUS
no Brasil.
3. As células HeLa contaminaram outras culturas de células em todo o mundo
Em 1966, o geneticista Stanley Gartler estava trabalhando com tecidos
de amostra quando notou algo estranho. Todas as células continham uma
enzima chamada glicose-6-fosfato desidrogenase-A (G6PD-A).
Gartler estava confuso, porque ele sabia que as amostras de tecidos
foram retiradas de caucasianos e até mesmo animais. A G6PD-A, por sua
vez, é uma enzima que só é encontrada em seres humanos e quase
exclusivamente em afro-descendentes. Isto era preocupante porque
significava que as amostras de Gartler, assim como muitos outras,
estavam contaminadas.
De acordo com Gartler, a culpada era a linhagem de células HeLa.
Depois das dúvidas iniciais de outros cientistas – que temiam a perda
potencial de milhões de dólares -, as suspeitas de Gartler foram
confirmadas. Os cuidados adequados não tinham sido tomados para evitar
que as amostras fossem contaminadas à medida que eram transferidas entre
laboratórios. Milhões de dólares aplicados nas pesquisas acabaram indo
pelo ralo.
Eventualmente, descobriu-se que as células HeLa podem viajar através
do ar – aumentando exponencialmente o risco de contaminação. Naquela
época, os laboratórios não eram devidamente equipados para pará-las, o
que causou o prejuízo milionário e perda do tempo investido nas
pesquisas que acabaram contaminadas. Felizmente, desde então foram
feitas melhorias para inibir tais erros em técnicas de cultura de
células.
2. O envolvimento das células HeLa contribuiu para criar a vacina contra a poliomielite
Jonas Salk era um pesquisador da Universidade de Pittsburgh cujos
anos de trabalho incansável levaram ao fim da epidemia de poliomielite
que varreu os EUA nos anos 1950 – o Brasil está livre da doença há 25
anos. Antes que a vacina contra a poliomielite de Salk pudesse ser
concluída, porém, ele precisava de grandes quantidades de amostras de
tecido para o seu trabalho.
Por sorte, a Fundação Nacional para a Paralisia Infantil dos Estados
Unidos estava disposta a financiar uma instalação no Instituto Tuskegee
especificamente voltada para a produção de células HeLa. Uma vez que
tinha acesso às células cancerosas, Salk foi capaz de realizar testes em
grande escala.
Em 26 de abril de 1954, os testes começaram em quase dois milhões de
crianças norte-americanas, finlandesas e canadenses. Quando os
resultados voltaram, as notícias eram as melhores possíveis – a grande
vacina revolucionária era segura e eficaz. Desde então, a vacina se
tornou uma parte essencial do cuidado de saúde infantil em todo o mundo.
1. Alguns cientistas sugerem que as células HeLa podem ser uma nova espécie
De acordo com o biólogo evolucionista Leigh Van Valen, da
Universidade de Chicago, as células HeLa não têm nenhuma conexão com as
pessoas. Van Valen e outros cientistas afirmaram que as células são
microbianas em sua natureza, não têm qualquer semelhança com as células
humanas e devem ser consideradas como uma espécie inteiramente nova.
Agora vem a parte mais incrível: acredita-se que as células HeLa
evoluíram geneticamente ao longo do tempo para se adaptar ao seu
ambiente – a placa de Petri – como resultado da seleção natural. Há quem
diga que atualmente há novas linhagens de células HeLa que surgiram nos
últimos anos.
Um outro estudo, de professores da Universidade da Califórnia em
Berkeley, sugere que o processo pelo qual as células cancerosas são
geradas é a base para a criação de uma nova espécie. O mesmo artigo,
publicado na revista “Cell Cycle”, também faz menção a tumores que devem
ser pensados como “organismos parasitas”.
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