Rinocerontes-brancos-do-norte estavam condenados à extinção, mas cientistas criaram um plano insano
Um dos últimos rinocerontes, no Quênia
Em um parque de conservação no centro do Quênia, vivem os três últimos rinocerontes-brancos-do-norte do mundo. Infelizmente, eles são incapazes de procriar. Isso significa que, quando morrerem, a subespécie será extinta.A menos que um plano complexo e controverso criado por cientistas conservacionistas funcione.
Sudão, Fatu e Najin
Depois de décadas de caça, a subespécie que uma vez existiu aos
milhares em toda a África Central foi reduzida para apenas três
indivíduos: Sudão, um macho de 42 anos de idade, sua filha Najin, 26, e
sua filha Fatu, 15.Sudão tem uma baixa contagem de esperma. Fatu tem um distúrbio que
impede que embriões se implantem no seu útero. Os membros de Najin são
incapazes de suportar o peso de uma outra gravidez.A condenação à extinção parece inevitável, não? Não se a biologia sintética puder evitar.
Polêmicas
Oliver Ryder, geneticista do jardim zoológico de San Diego, nos EUA,
faz parte de uma equipe internacional de cientistas por trás de um
esforço radical para reconstruir a população de
rinocerontes-brancos-do-norte com embriões cultivados em laboratório
criados a partir de tecido congelado.
O projeto, descrito esta semana na revista Zoo Keys, é experimental,
caro e recheado de incertezas. Ele levanta diversas polêmicas, incluindo
sobre como devemos gastar nosso dinheiro para a conservação. Se der
certo, no entanto, será uma enorme conquista da biotecnologia.
Fase um: gametas viáveis
Uma vez que os rinocerontes restantes no mundo não podem se
reproduzir naturalmente, o processo deve ser iniciado no laboratório.
O primeiro passo será a obtenção de gametas viáveis (esperma e
óvulos). Embora nem Fatu nem Najin possam ficar grávidas, ambas podem
ter seus óvulos colhidos. Para esperma fresco, Sudão é a única opção,
uma que não é ideal dada a sua idade e parentesco próximo com as duas
fêmeas. Mas o zoológico de San Diego também tem um vasto banco de
tecidos construído especificamente para a conservação genética, com o
esperma de quatro outros machos falecidos.
É um começo, mas uma população fundada com apenas cinco machos e duas
fêmeas é geneticamente pobre. Como a diversidade genética é crucial, a
segunda fase do plano é criar gametas artificiais reprogramando tecidos
de outros rinocerontes.
Cerca de dez anos atrás, os biólogos descobriram que poderiam
transformar células da pele em células-tronco pluripotentes induzidas.
Estas, por sua vez, podem se transformar em qualquer coisa, de células
cardíacas a gametas. Células viáveis de uma dúzia de
rinocerontes-brancos-do-norte estão alojadas no zoológico de San Diego,
no Leibniz Institute for Zoo and Wildlife Research em Berlim, e em
outros bancos de tecidos ao redor do mundo.
Fase dois: gravidez
Mas transformar células-tronco pluripotentes em esperma e óvulos é
algo experimental que só foi feito em camundongos. Pode levar anos para
os cientistas traduzirem a técnica para rinocerontes.
Além disso, a aquisição de gametas viáveis é apenas o primeiro passo.
Em seguida, o esperma e os óvulos serão misturados in vitro para
produzir um embrião, o qual irá ser implantado dentro de uma barriga de
aluguel – idealmente, uma fêmea da espécie estreitamente relacionada,
rinoceronte-branco-do-sul.
Ninguém jamais transplantou um embrião ao útero de um rinoceronte,
coisa que pode ser difícil devido ao colo altamente complicado e
impenetrável da criatura. Se os embriões não puderem ser implantados em
rinocerontes fêmeas, podem ter que ser colocados em cavalos, que têm um
período de gestação mais curto, e cujos corpos podem rejeitar o tecido
estranho.
Se tudo o que foi esboçado até agora der certo, deve ser possível
produzir uma primeira geração de bebês em dez anos. Dez anos mais tarde,
eles serão adultos reprodutores. Em um cenário otimista, em 50 anos
teremos uma pequena, mas estável população de
rinocerontes-brancos-do-norte.
É possível!
George Church, geneticista da Universidade de Harvard que foi
pioneiro na tecnologia CRISPR (de edição de genes), e que atualmente
trabalha em um esforço para clonar o mamute-lanoso e trazê-lo de volta à
existência, disse ao portal Gizmodo que acredita que todas as metas
desse plano sejam viáveis. “Acho que o maior desafio não vai ser a
tecnologia celular, vai ser a criação em cativeiro”, explicou.
O paleogeneticista Ben Novak, que procura restaurar a herança
genética de espécies ameaçadas de extinção, concorda. “O maior problema
vai ser a gravidez”, acrescentando que o zoológico de San Diego está
atualmente trabalhando com várias rinocerontes-brancos-do-sul do sexo
feminino para torná-las mais domesticadas.
Mas…
Nem todo mundo está entusiasmado com a ideia de uma experiência que
vai custar milhões e pode nem funcionar. Alguns conservacionistas
argumentam que os nossos recursos seriam melhor gastos impedindo
caçadores de acabarem também com os rinocerontes-brancos-do-sul – mais
de 1.000 estão sendo abatidos por causa de seus chifres a cada ano.
Outros não gostam da ideia de usar a biotecnologia para evitar a
extinção. “Isto diz que podemos deixar espécies chegarem à beira da
extinção que a tecnologia moderna pode trazê-las de volta”, sugere
Stuart Pimm, biólogo de conservação da Universidade de Duke, nos EUA, ao
portal Nature News.
Church entende as preocupações, mas crê que devemos arriscar. “Eu
concordo com a priorização, mas também concordo com a noção de que nem
sempre é um jogo de soma zero”, disse. “As pessoas podiam ter dito ‘Por
que perder tempo desenvolvendo vacinas contra a poliomielite? Temos de
colocar todo o nosso dinheiro no desenvolvimento de pulmões de aço’.
Claramente, isso teria sido uma solução fraca”.
Para Ryder, Church e outros pesquisadores que pensam grande, esforços
hercúleos como este podem acelerar tecnologias que vão ajudar a salvar
muitas mais espécies no futuro. “Acreditamos que isso vai levar a
tecnologias para a prevenção da extinção de outras espécies”, disse
Ryder ao Gizmodo. “Idealmente, gostaríamos de ver os esforços de
conservação aplicarem essas ferramentas antes de chegarmos a um cenário
grave de gestão de crise como este”. [Gizmodo]
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