Eu não sinto saudade de você

Te vejo sorrindo em fotos antigas, do meu lado, e te sei feliz nas fotos atuais. Elas são em preto e branco e em sépia, mas serão as nossas as primeiras a amarelar. Aí então teremos dois sorrisos amarelos para o futuro, de onde nos veem. Amarela também era a torre jogando seu facho de luz para cima, apontando o que podíamos ter em minutos. E várias vezes tivemos. Olhando pra cima de boca aberta, sem saber direito onde estávamos, se na grama molhada ou numa vitória-régia flutuando, várias vezes chegamos lá. Te vejo sorrindo multicolorida para o meu sorriso atrás da lente: vestidos floridos, saias, batons, cachecóis vermelhos. Composições de aquarelas com fundo azul. Recife, Rio de Janeiro, Paris, Londres, Verão, Outono, dia, noite. Lugares em que estivemos, tempo que passamos juntos. Faz tempo? Não sei. O tempo não passa. Quem passa por ele, como que por alguma cidade, somos nós. Ele continua no seu lugar. Estamos no verão, mas logo ali adiante entraremos no outono como quem entra num túnel. Não foi o verão que passou, fomos nós que deixamos o verão em direção ao outono. A única diferença é que chegaremos até ele sem abrir nenhuma porta, sem pegar estrada. Mas o verão continua lá, no lugar onde já não estamos. Assim é o tempo: pedra paciente esperando que passemos por ele. O tempo não passa. Passamos nós. Te vejo de costas, descalça, de calça branca, indo embora pela praia. Tirei a foto pra não deixar você ir embora e você nunca foi totalmente, mas também não ficou. 


Saudade eu não sinto. O que a gente sente é um monte de outras coisas: medo, alegria, arrependimento, tristeza, dúvida, vontade de ter o que tinha. Mas de você não tenho mais nada além do que é meu. Seu cheiro não é seu dentro de mim, sua voz não é sua do jeito que só eu ouço, sua imagem não é sua, é como te vejo. Te vejo dormindo no quarto cheio de luz dourada: a pele da perna morena e o sono sereno encobertos pela cortina fina que o vento quis que estivesse na foto. Com o que você sonhava? Eu lembro dos seus sonhos; os de verdade, os que me contava. Morar no exterior por um tempo, dar um jeito de não morrer de saudade, voltar, trabalhar fazendo o que você gostava, casar, morar ali ou lá, ter filhos… E depois?, eu quis saber. E depois acabou, você disse. Disse e saiu brincando de Itamar Assunção e sua Dor elegante, que eu nem conhecia: viver vai ser… a nossa última obra… Pensar em tudo é saudade? Lembrar de tudo é saudade? Te vejo durante a volta daquela viagem que fizemos de carro. Também estávamos no verão e você tinha feito um rabo de cavalo e usava seus óculos recém comprados. Sua beleza não tinha nada de interior. Sua beleza era escancarada, mesmo no lusco-fusco do pôr do sol. Nessas fotos encaixotadas que ora reviro em busca de um sentimento, de uma certeza, de uma desculpa ou coisa qualquer, te encontro feliz e satisfeita como já não lembrava há muito tempo. E para elas, e pra você, e pra mim, repito em silêncio mais uma vez que não sinto saudade. Porque como um cílio, um pêlo ou um fio de cabelo, saudade não se sente. Vive e morre com a gente.

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