Ao completar 50 anos, ‘Sgt. Pepper’s’ volta ao topo das paradas inglesas com edição comemorativa
Foi há 50 anos, mas houve um tempo em
que um disco de rock significava muito mais do que uma mera compilação
de canções, uma posição nas paradas de sucesso e uma sucessão de cifrões
acumulados em contas bancárias – um disco poderia ser a trilha sonora
de uma época ou ser ele próprio uma revolução. E nenhum outro trabalho
foi tão clara e intensamente as duas coisas como o oitavo disco dos
Beatles: Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, ao
mesmo tempo o símbolo e o combustível, a consequência e a causa da
revolução de costumes que tanto caracterizou a segunda metade da década
de 1960.
Ao completar 50 anos no último dia 01 de
junho – e ser relançado em uma caixa de luxo, com novas versões, sobras
de estúdio e muito mais – , Sgt. Pepper’s alcançou um novo feito: chegar mais uma vez ao topo das paradas de sucesso da Inglaterra, mesmo cinco décadas depois de ser lançado.
A história muitos conhecem: a maior
banda do mundo havia recentemente dado alguns passos que mudariam a sua
sonoridade, sua trajetória e a própria rotação do mundo do rock e, como
não dizer, da cultura ocidental. Por conta do precário equipamento de
então, e da perpétua gritaria que abafava qualquer ambição musical em
suas apresentações ao vivo, os Beatles deixaram de dar shows em 1966 –
um ano antes do lançamento de Sgt. Pepper’s – concentrando-se
assim em realizar o que sonhavam musicalmente somente em estúdio. Os
discos passavam a ser a única prioridade da banda.
Os quatro jovens de Liverpool haviam se
tornado adultos, e descoberto o expansivo universo das drogas
psicodélicas (o que já é possível perceber nos álbuns que antecedem Sgt. Pepper’s, como Rubber Soul e Revolver).
Assim, os Beatles decidem por abrir mão da imagem e do som dos
simpáticos cabeludos que cantavam o amor em rocks rápidos, para se
tornarem verdadeiros artesões da música pop. Em consonância com o
amadurecimento natural e a expansão de consciência psicodélica, havia a
inclinação contestadora da juventude hippie de então. Da soma desses
elementos nasceu Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, o mais importante disco da história do rock.
A ideia veio de Paul McCartney: fingir
que aquele não era um disco dos Beatles, mas sim da tal banda do clube
dos corações solitários do sargento Pimenta – e, com isso, libera-los
para fazerem o que bem entendessem, a sonoridade e os temas que
quisessem, sem precisarem corresponder às expectativas que pairavam
enormes sobre o êxito comercial da maior banda do mundo. Podiam se
reinventar e, munidos de bigodes, fardões coloridos, instrumentos
inesperados e um grande repertório de canções, John, Paul, George e
Ringo se tornaram outra banda para poderem continuar a ser de fato eles
mesmos.
Assim, Paul sugeriu uma espécie de disco
conceitual, feito fosse um grande concerto da tal banda imaginária.
Como se sabe, tal ideia só foi levada a sério até a terceira faixa, mas a
liberdade de poderem fazer desse trabalho o que quisessem, empurrando
os limites de tudo que se esperava de uma banda ou de um álbum – de
técnicas de gravação revolucionárias, passando por sonoridades, até
mesmo pelo ato inaugural de incluir as letras das músicas na arte do
disco – esse gesto foi levado a extremos jamais antes navegados por uma
banda de rock.
O impressionante compacto contendo Strawberry Fields Forever e Penny Lane já dava o tom da direção que tomariam em Sgt. Pepper’s.
Os seis meses que a banda levou para gravar o disco – tempo
extraordinariamente longo para a época – fez com que a imprensa chegasse
a especular publicamente sobre se a criatividade da banda havia
acabado, e se o império de popularidade e o namoro com a crítica dos
Beatles havia finalmente chegado ao fim. Mal sabiam eles que tudo estava
apenas começando.
Fortemente influenciado por Pet Sounds,
dos Beach Boys – que, um ano antes, já havia começado o processo de
mistura entre a música popular e erudita, e de expansão daquilo que se
entendia como um disco de rock (em um dos poucos álbuns que chegam à
altura de Pepper’s nesse aspecto) – o lançamento de Sgt. Pepper’s
calou qualquer aspiração apocalíptica da crítica e da imprensa, que
caíram de joelhos diante daquele feito em vinil. O disco traz em seu
repertório não necessariamente os maiores sucessos radiofônicos da
banda, mas provavelmente a mais fina e impressionante sucessão de
canções em um disco de rock jamais vista, ao longo de 39 minutos e 52
segundos de duração.
Das distorções que apresentam o tal
“conceito” que permeia o trabalho na música que batiza e abre o disco,
passando pela singeleza provocadora de With a Little Help from My Friends, a psicodelia lisérgica de Lucy In The Sky With Diamonds, a bela e rebelde narrativa de She’s Leaving Home, o universo experimental e circense de Being For The Benefit of Mr. Kite!, o encontro de culturas de Within You Without You
(em que George Harrison coloca, sem pudores, a música indiana sob os
holofotes do pop ocidental), a crítica dos costumes burgueses em Good Morning, Good Morning, até o espetacular encerramento com A Day In The Life, de John Lennon, a mais bela canção de rock já lançada – nada havia soado (e nem jamais soou desde então) como Sgt. Pepper’s.
Um detalhe fundamental para se entender a
dimensão do feito – não somente comercial ou de crítica, mas também de
técnicas de gravação – que esse álbum representa é o fato de uma
sonoridade com tantas camadas e experiências sonoras ter sido gravada em
somente 4 canais. Vale compreender que hoje, em qualquer computador, é
possível realizar gravações com dezenas, muitas vezes centenas de
canais. Não havia, evidentemente, computadores, efeitos ou soluções
digitais, afinadores de voz, nada – tudo que soa no disco teve de ser
executado manualmente à perfeição.
Algumas opções descartadas de fotos para a capa
Lançado em 01 de junho de 1967, o oitavo
disco da banda rapidamente parecia definir o espírito de uma época
através da qualidade impecável de jovens gênios no momento indecifrável
em que tudo parece dar certo. Quatro vetores de criatividade em perfeita
consonância, tendo por trás uma incrível equipe de produção
(capitaneada pelo produtor George Martin e com as mãos e ouvidos
preciosos do jovem engenheiro Geoff Emerick), que juntos, permitiram uma
perfeita revolução sonora. Sgt. Pepper’s tornou-se um dos
discos mais bem sucedidos da história, com possivelmente a mais icônica
capa já feita. Mais de 32 milhões de cópias vendidas e 50 anos depois
ele volta ao topo das paradas de sucesso na Inglaterra com sua caixa
comemorativa.
Nos EUA, a caixa estreou em terceiro
lugar (na Amazon permanecia em primeiro, dez dias depois de seu
lançamento), mas ainda pode vir a chegar ao topo. Seis CDs compõem essa
edição especial comemorativa do 50o aniversário do disco,
reunindo uma versão remixada e remasterizada do disco original, uma
versão mono exatamente como foi lançado na época, dois CDs com sobras de
estúdio, takes alternativos das canções e outras raridades,
além de um DVD com um documentário especial sobre a feitura e gravação
do disco, e um Blu ray. Dois pôsteres encartam a caixa (um da arte
original do disco, e uma reprodução do pôster do circo do século XIX que
Lennon adquiriu em um antiquário e da onde tirou a letra de Mr. Kite!) e um livro exclusivo com fotos e textos compõem, por fim, essa edição de luxo.
Quando foi informado do feito de seu
relançamento, mesmo cinco décadas depois, em nota oficial Paul McCartney
não escondeu seu entusiasmo. “Uau! Quem imaginaria que o bom e velho Sgt. Pepper
voltaria ao número um 50 anos depois? É uma grande notícia e nós
estamos todos orgulhosos. Pepper é demais!”, escreveu o baixista e
grande arquiteto por trás de sua concepção.
A pessoa por trás do árduo trabalho de
remixar o disco mais importante de todos os tempos foi Gilles Martin,
filho do produtor dos Beatles, George Martin – falecido em março do ano
passado. Em entrevista recente, Gilles explicou que para realizar tal
tarefa, ele teve de remixar, limpar e retrabalhar cada fita gravada de
cada instrumento, a fim de poder realizar uma ajuste final em estéreo à
altura do disco. “É como um carro que acaba de sair da pintura. As fitas
estão reluzentes. O que foi gravado em 1967 agora soa puro e cristalino
– não há um chiado, nada. E com essa versão de Sgt. Pepper’s foi o que tentamos fazer – trazer o ouvinte para perto da música”, ele disse.
O resultado final é tão espetacular
quanto controverso. A pureza e a limpeza sonora anunciadas por Gilles de
fato estão lá, e é incrível ouvir a nova dimensão da estereofonia e da
clareza principalmente nas vozes e no som da bateria de Ringo. Muitos
fãs, porém, preferem o disco como foi lançado originalmente – seria
justamente nessas especificidades da época que residiriam o charme e a
originalidade única do resultado sonoro desse e de qualquer outro disco
gravado nos anos 1960.
Seja como for, a controvérsia se soma à mística desse trabalho, e ao interesse que parece perpétuo a respeito da banda e de Sgt. Pepper’s.
Trata-se de um disco destinado à história e à memória desde seu
lançamento, como um preciso documento de como a criatividade e a
engenhosidade humana podem criar, em seus melhores momentos, ao mesmo
tempo um registro de uma época e algo que se estabelece fora do tempo,
sempre contemporâneo, sempre ainda por vir, com a beleza e o carisma de
uma coisa nova, mesmo cinquenta (ou cem, ou duzentos) anos depois.
© fotos: divulgação fonte via
Comentários
Postar um comentário