Karl Marx e Friederich Engels


 O que podemos aprender com os 5 livros considerados os mais influentes de todos os tempos



Na primeira frase do conto “A Biblioteca de Babel”, Jorge Luís Borges faz do universo inteiro uma biblioteca, em um dos mais emblemáticos inícios da literatura mundial. Para Borges – que não conseguia dormir senão rodeado por livros – o paraíso seria uma livraria.

Certas obras provocaram revoluções, guerras, mudanças nos nossos hábitos mais profundos, nas nossas ideias, nos revelando novas maneiras de ver e entender as coisas. Um livro é capaz de nos fazer querer viver, morrer, recomeçar, jogar tudo para o alto, construir um mundo novo, e até dormir.
Escultura em livro da artista holandesa Annemarieke Kloosterhof
Escultura em livro da artista holandesa Annemarieke Kloosterhof


Muitas páginas foram escritas para que Borges pudesse sonhar em sua infinita livraria paradisíaca, mas naturalmente que livros revolucionários são raros. Alguns, no entanto, incontestavelmente transformaram o mundo. Pois foi a essa tarefa que se propôs a Biblioteca Britânica, em parceria com o Conselho de Pesquisas em Artes e Humanidades: apontar quais seriam os textos acadêmicos mais importantes da história.

Primeiramente, uma lista foi levantada por especialistas, para depois ser submetida ao voto popular. O resultado final é um belo apanhado de textos que de fato impactaram o mundo em que vivemos – e que até hoje apresentam sua contundência e seu sentido revolucionário.
E os vencedores são:

1. A Origem das Espécies – Charles Darwin

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Quando se lança ao ar um punhado de penas, todas cairão no chão de acordo com leis muito bem definidas: quão simples é esse problema comparado com o da ação e reação das incontáveis plantas e animais que determinaram, no decorrer dos séculos, os números proporcionais e os tipos de árvores que crescem hoje nas ruínas indígenas! (…) Quem acreditar que as espécies são mutáveis prestará um bom serviço à ciência (…) É a essa preservação das variações favoráveis e eliminação das variações nocivas que dou o nome de Seleção Natural.” – Trecho de abertura do livro A Origem das Espécies

O naturalista inglês Charles Darwin
O naturalista inglês Charles Darwin


Publicado em 1859, sob o título de Sobre a Origem das Espécies por Meio da Seleção Natural ou a Preservação de Raças Favorecidas na Luta pela Vida, é nesse livro que o naturalista britânico Charles Darwin nos apresenta sua célebre Teoria da Evolução.

Através de uma abundante coleção de evidências, Darwin mostra que a diversidade biológica é fruto de modificações em descendência, através da gradual adaptação dos organismos vivos aos meios e circunstâncias, em uma luta pela sobrevivência que ficou conhecida como Seleção Natural.

Caderno de anotações de Darwin, com o primeiro diagrama de uma árvore evolutiva. No alto, à esquerda: "eu acho".
Caderno de anotações de Darwin, com o primeiro diagrama de uma árvore evolutiva. No alto, à esquerda, Darwin anotou: “eu acho

A primeira edição do livro teve tiragem de 1250 exemplares, e se esgotou no mesmo dia 24 de novembro de 1859 em que foi publicado. A celeuma provocada se justifica: em uma só tacada, Darwin revolucionou tanto os parâmetros científicos sobre nossa origem como contrariou a ideia religiosa de uma criação divina por trás do surgimento da vida, dos seres vivos e, consecutivamente, da humanidade.

Primeira edição em inglês do livro
Primeira edição em inglês do livro


Além de oferecer um argumento científico e factível contra o mito da criação divina, Darwin ainda retirou a humanidade do alto de seu trono autoproclamado em meio ao reino animal. Não havia mais, a partir de então, nenhuma fronteira natural entre os seres humanos e os outros animais.

Darwin sofreu muitos ataques dos ignorantes de plantão, sendo frequentemente desenhado como um homem com corpo de macaco.
Charge de Darwin como um homem-macaco
Charge de Darwin como um homem-macaco


Apesar da absoluta imprecisão científica dos ataques (pois não somos “filhos” dos macacos, mas sim, descendentes de uma origem comum, como primos realmente distantes – de milhões de anos de distância, afinal), os ataques foram (e ainda são) frequentes.

Ainda assim, o naturalista, permaneceu de pé diante de seus detratores – assim como sua teoria, que segue como a melhor e mais contundente base para o entendimento natural de quem somos e de quem viemos.

2. O Manifesto Comunista – Karl Marx e Friedrich Engels

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A história de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem sido a história das lutas de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestre de corporação e companheiro, numa palavra, opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada; A sociedade burguesa moderna, que brotou das ruínas da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos de classe. (…) A sociedade divide-se cada vez mais em dois vastos campos opostos, em duas grandes classes diametralmente opostas: a burguesia e o proletariado.” – Trecho de abertura do Manifesto Comunista.

Karl Marx e Friederich Engels
Karl Marx e Friedrich Engels

Se o livro de Darwin colocou Deus no ostracismo, o segundo lugar da lista alavancou revoluções, derrubadas e tomadas de poder, redesenhou o mapa mundial e transformou a maneira de vermos as relações sociais e econômicas. Para além de posicionamentos políticos ou opiniões, o Manifesto Comunista, publicado por Karl Marx e Friedrich Engels em 21 de fevereiro de 1848, é um dos textos de maior impacto prático e influência da humanidade.

Manuscrito de trecho do Manifesto
Manuscrito de trecho do Manifesto


Escrito originalmente em alemão, no contexto do fim da monarquia e solidificação da burguesia no poder, o Manifesto Comunista, a partir de uma profunda análise histórica das várias formas de opressão social ao longo dos tempos, aponta justamente a burguesia moderna como a nova classe opressora, pois “no regime burguês, os que trabalham não lucram, e os que lucram não trabalham”.

Ao tomar conhecimento de sua situação, o trabalhador haveria de se organizar e lutar pela revolução do proletariado, para derrubar a burguesia e criar uma sociedade sem classes ou propriedades privadas. A revolução teria um caráter transnacional (visto que o domínio do capital não reconhece fronteiras ou nacionalismos), significado pela célebre convocação que encerra o manifesto: proletários de todos os países, uni-vos!

Capa da primeira edição do Manifesto, em alemão
Capa da primeira edição do Manifesto, em alemão

Selo soviético comemorativo pelos 100 anos do Manifesto, de 1948
Selo soviético comemorativo pelos 100 anos do Manifesto, de 1948


O contexto mundial hoje é outro, e a herança das mais importantes experiências comunistas é agridoce, com conquistas mas também repleta de horrores. Contudo, diante de um mundo ainda tão desigual, várias das tensões levantadas por Marx e Engels em seu manifesto permanecem contundentes. A produção econômica e a estrutura social decorrente dessa produção seguem como base fundamental da história política e intelectual de qualquer época – e os exploradores, assim como os explorados, permanecem.

3. A Obra Completa de William Shakespeare

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Ser ou não ser – eis a questão. Será mais nobre sofrer na alma pedradas e flechadas do destino feroz, ou pegar em armas contra o mar de angústias – e combatendo-o, dar-lhe fim? Morrer; dormir; só isso. E com o sono – dizem – extinguir dores do coração e as mil mazelas naturais a que a carne é sujeita; eis uma consumação ardentemente desejável. Morrer. Dormir. Dormir! Talvez sonhar. Aí está o obstáculo!” – Trecho do mais célebre solilóquio de Hamlet.

Retrato de Shakespeare, autor desconhecido
Retrato de Shakespeare, autor desconhecido


Há um enorme debate sobre se a obra de William Shakespeare teria sido de fato escrita ou não por ele – ou mesmo se “um” Shakespeare existiu – pois, para certos estudiosos, é difícil crer que um cidadão comum do século XVI pudesse fluir de maneira tão graciosa, inventiva e impactante pela língua inglesa, versando sobre amor, política, história e até mesmo direito. O que não se discute, no entanto, seja o verdadeiro autor quem for, é o impacto dessa obra.

Capa da mais antiga edição de 'Hamlet' que se tem notícia, de 1605
Capa da mais antiga edição de Hamlet que se tem notícia, de 1605


A importância de Shakespeare não se encerra no teatro ou na literatura – para as quais serve de perpétuo paradigma de excelência. As palavras do bardo inglês são tão ricas que tornaram-se base para uma ideia de literatura inglesa nacional, e até mesmo para a unificação do inglês enquanto língua.

O crítico norte-americano Harold Bloom vai além: Shakespeare teria simplesmente inventado a “humanidade” enquanto paradigma comportamental e de identidade. Sim, para ele Shakespeare criou, em seus personagens, o caminho que utilizamos até hoje para nos entendermos culturalmente enquanto seres humanos.

Sir Lawrence Olivier encenando Hamlet, em 1948
Sir Lawrence Olivier encenando Hamlet, em 1948

Manuscrito atribuido a Shakespeare
Manuscrito atribuido a Shakespeare


São 38 peças, 154 sonetos, dois poemas longos e um tanto mais de outros versos e textos, escritos em sua maioria entre 1589 e 1613. Suas peças foram encenadas mais vezes do que as de qualquer outro dramaturgo, e traduzidas para todas as línguas.

Em 2016 será comemorado o 400º aniversário do bardo que, para além de qualquer verdade sobre sua identidade, segue soando e explicando a humanidade para nós mesmos, como uma espécie de língua universal.

4. A República – Platão

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Os prisioneiros não podem ver o que se passa atrás deles, e veem apenas as sombras que são projetadas na parede em frente a eles. Pelas paredes da caverna também ecoam os sons que vêm de fora, de modo que os prisioneiros, associando-os, com certa razão, às sombras, pensam ser eles as falas das mesmas. Desse modo, os prisioneiros julgam que essas sombras sejam a realidade. (…) Há, pois, o mundo das ideias e o mundo das aparências. Quem não percebe isto, vive como que numa caverna, onde o conhecimento se faz por meio de sombras.” – Trecho do mito da caverna, em  
A República, de Platão
Platão retratado pelo pintor italiano Luca Giordano
Platão retratado pelo pintor italiano Luca Giordano


A mais famosa obra do filósofo grego Platão, A República, é um diálogo socrático escrito no século IV A.C. e dividido em dez livros. Nele, através da pena de Platão, Sócrates debate sobre os sentidos de justiça, do estado, da alma e sua imortalidade, o papel do filósofo, da arte e do poeta em sociedade – culminando na criação da cidade de Calípole, espécie de cidade justa e ideal, governada por filósofos.

Os poetas são expulsos de Calípole, para afastar da população a má influência da “imitação” da realidade e selvageria sentimental que seria a poesia.

Manuscrito da República datado do século IV A.C.
Manuscrito de A República, datado do século IV A.C.


Um dos pontos mais diretos para se compreender a influência de Platão ao longo da história é reconhecer que o pensamento platônico é a base fundamental – para não dizer essencial – da filosofia cristã. O mundo das ideias defendido por Platão como a única verdade é, em Cristo, o Reino dos céus – e, em ambos os casos, o amor, a realização e a felicidade são colocados como fatores determinantes.

Busto de Platão
Busto de Platão


Democracia, utopia, idealismo, ideais, amores platônicos, razão, academia, política, estado, direito, justiça e desejo, Platão está presente em praticamente qualquer assunto, da filosofia às artes, da ciência à matemática, da política ao direito e à religião, e muito mais.

Raphael _ A Escola de Atenas_Plato_Aristotle

O Mito da Caverna, excerto mais célebre da República, serve como forte paradigma para o entendimento de como manipulamos e somos manipulados por ideias do que é a “verdade”, a “realidade” (e como muitas vezes nos contentamos em nossa ignorância) e é utilizado em estudos de comunicação, mídias, jornalismo, internet, literatura e até mesmo no cinema – ou de onde você pensa que veio a ideia para, por exemplo, a trilogia Matrix?

5. Crítica da Razão Pura, de Immanuel Kant

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Não se pode duvidar de que todos os nossos conhecimentos começam com a experiência, porque, com efeito, como haveria de exercitar-se a faculdade de se conhecer, se não fosse pelos objetos que, excitando os nossos sentidos, de uma parte, produzem por si mesmos representações, e de outra parte, impulsionam a nossa inteligência a compará-los entre si, a reuni-los ou separá-los, e deste modo à elaboração da matéria informe das impressões sensíveis para esse conhecimento das coisas que se denomina experiência?” – Trecho de abertura de Crítica da Razão Pura.

Retrato pintado de Immanuel Kant
Retrato em pintura de Immanuel Kant


Sem jamais ter colocado os pés fora de Königsberg, então capital da Prússia e sua cidade natal, Immanuel Kant escreveu, em 1781, Crítica da Razão Pura para se tornar um dos mais importantes filósofos da era moderna. O livro, sua obra prima, é até hoje um dos mais influentes trabalhos da história da filosofia.

Primeira edição do livro, de 1781
Primeira edição do livro, de 1781

Kant procurava substituir a autoridade religiosa pela autoridade da inteligência humana. Questionando a razão de maneira geral, este livro pretende responder três perguntas fundamentais: que podemos saber? Que devemos fazer? Que nos é licito esperar?

Distinguindo o conhecimento empírico (que se dá após a experiência) do conhecimento puro (que independe dos sentidos e da experiência, sendo assim universal), em Crítica, Kant investiga não os “objetos” de conhecimento, mas sim, nosso modo de conhece-los, olhando para a maneira como sujeito e objeto se relacionam.

Moeda alemã de prata em homenagem a Kant
Moeda de prata alemã em homenagem a Kant


De estilo pesado, escrita rebuscada e conteúdo denso, o livro é naturalmente muito mais complexo do que qualquer resumo permite. Crítica da Razão Pura tornou-se um dos pilares do que se reconhece como filosofia moderna, e seria impossível supor o surgimento de obras do quilate de Freud, Jung, Einstein, Weber, Schopenhauer, Heideger, Foucault, Nietzsche e Bergson, entre outros, sem que antes tivesse surgido Kant.

Túmulo de Kant, em Königsberg
Túmulo de Kant, em Kaliningrad, antiga Königsberg


Sem precisar sair de sua cidade natal – mas com a cabeça em toda humanidade -, pode se dizer que Kant, de trás de sua mesa, inventou o pensamento moderno.

Foram mencionados na lista completa os livros O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir, O Significado da Relatividade, de Albert Einstein, Uma Breve História do Tempo, de Stephen Hawking, A Riqueza das Nações, de Adam Smith, e 1984, de George Orwell, entre outros.

Como sempre, essa é uma eleição discutível e cheia de possíveis injustiças (a própria noção do que seria um texto “acadêmico” e do que quer dizer “importante” é questionável). Tais listas, no entanto, servem menos para alcançar alguma verdade científica e mais para nosso apreço e diversão – e como futuro tema para debates infinitos em mesas de bar. Pois, como bem disse Borges em sua ‘Biblioteca de Babel’, “suspeito que a espécie humana está prestes a ser extinta, mas a Biblioteca perdurará: iluminada, solitária, infinita, perfeitamente imóvel, equipada com volumes preciosos, inútil, incorruptível, secreta”.

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