O que podemos aprender com os 5 livros considerados os mais influentes de todos os tempos
Na primeira frase do conto “A Biblioteca de Babel”, Jorge Luís Borges
faz do universo inteiro uma biblioteca, em um dos mais emblemáticos
inícios da literatura mundial. Para Borges – que não conseguia dormir
senão rodeado por livros – o paraíso seria uma livraria.
Certas obras provocaram revoluções,
guerras, mudanças nos nossos hábitos mais profundos, nas nossas ideias,
nos revelando novas maneiras de ver e entender as coisas. Um livro é
capaz de nos fazer querer viver, morrer, recomeçar, jogar tudo para o
alto, construir um mundo novo, e até dormir.
Escultura em livro da artista holandesa Annemarieke Kloosterhof
Muitas páginas foram escritas para que
Borges pudesse sonhar em sua infinita livraria paradisíaca, mas
naturalmente que livros revolucionários são raros. Alguns, no entanto,
incontestavelmente transformaram o mundo. Pois foi a essa tarefa que se
propôs a Biblioteca Britânica, em parceria com o Conselho de Pesquisas em Artes e Humanidades: apontar quais seriam os textos acadêmicos mais importantes da história.
Primeiramente, uma lista foi levantada
por especialistas, para depois ser submetida ao voto popular. O
resultado final é um belo apanhado de textos que de fato impactaram o
mundo em que vivemos – e que até hoje apresentam sua contundência e seu
sentido revolucionário.
E os vencedores são:
1. A Origem das Espécies – Charles Darwin
“Quando se lança ao ar um
punhado de penas, todas cairão no chão de acordo com leis muito bem
definidas: quão simples é esse problema comparado com o da ação e reação
das incontáveis plantas e animais que determinaram, no decorrer dos
séculos, os números proporcionais e os tipos de árvores que crescem hoje
nas ruínas indígenas! (…) Quem acreditar que as espécies são mutáveis
prestará um bom serviço à ciência (…) É a essa preservação das variações
favoráveis e eliminação das variações nocivas que dou o nome de Seleção
Natural.” – Trecho de abertura do livro A Origem das Espécies
O naturalista inglês Charles Darwin
Publicado em 1859, sob o título de Sobre a Origem das Espécies por Meio da Seleção Natural ou a Preservação de Raças Favorecidas na Luta pela Vida, é nesse livro que o naturalista britânico Charles Darwin nos apresenta sua célebre Teoria da Evolução.
Através de uma abundante coleção de
evidências, Darwin mostra que a diversidade biológica é fruto de
modificações em descendência, através da gradual adaptação dos
organismos vivos aos meios e circunstâncias, em uma luta pela
sobrevivência que ficou conhecida como Seleção Natural.
Caderno de anotações de Darwin, com o primeiro diagrama de uma árvore evolutiva. No alto, à esquerda, Darwin anotou: “eu acho“
A primeira edição do livro teve tiragem de 1250 exemplares,
e se esgotou no mesmo dia 24 de novembro de 1859 em que foi publicado. A
celeuma provocada se justifica: em uma só tacada, Darwin revolucionou
tanto os parâmetros científicos sobre nossa origem como contrariou a
ideia religiosa de uma criação divina por trás do surgimento da vida,
dos seres vivos e, consecutivamente, da humanidade.
Primeira edição em inglês do livro
Além de oferecer um argumento científico
e factível contra o mito da criação divina, Darwin ainda retirou a
humanidade do alto de seu trono autoproclamado em meio ao reino animal.
Não havia mais, a partir de então, nenhuma fronteira natural entre os seres humanos e os outros animais.
Darwin sofreu muitos ataques dos ignorantes de plantão, sendo frequentemente desenhado como um homem com corpo de macaco.
Charge de Darwin como um homem-macaco
Apesar da absoluta imprecisão científica
dos ataques (pois não somos “filhos” dos macacos, mas sim, descendentes
de uma origem comum, como primos realmente distantes – de milhões de
anos de distância, afinal), os ataques foram (e ainda são) frequentes.
Ainda assim, o naturalista, permaneceu de pé diante de seus detratores – assim como sua teoria, que segue como a melhor e mais contundente base para o entendimento natural de quem somos e de quem viemos.
2. O Manifesto Comunista – Karl Marx e Friedrich Engels
“A história de todas as
sociedades que existiram até nossos dias tem sido a história das lutas
de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo,
mestre de corporação e companheiro, numa palavra, opressores e
oprimidos, em constante oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta,
ora franca, ora disfarçada; A sociedade burguesa moderna, que brotou das
ruínas da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos de classe. (…) A
sociedade divide-se cada vez mais em dois vastos campos opostos, em
duas grandes classes diametralmente opostas: a burguesia e o
proletariado.” – Trecho de abertura do Manifesto Comunista.
Karl Marx e Friedrich Engels
Se o livro de Darwin colocou Deus no
ostracismo, o segundo lugar da lista alavancou revoluções, derrubadas e
tomadas de poder, redesenhou o mapa mundial e transformou a maneira de
vermos as relações sociais e econômicas. Para além de posicionamentos
políticos ou opiniões, o Manifesto Comunista, publicado por Karl Marx e Friedrich Engels em 21 de fevereiro de 1848, é um dos textos de maior impacto prático e influência da humanidade.
Manuscrito de trecho do Manifesto
Escrito originalmente em alemão, no contexto do fim da monarquia e solidificação da burguesia no poder, o Manifesto Comunista, a
partir de uma profunda análise histórica das várias formas de opressão
social ao longo dos tempos, aponta justamente a burguesia moderna como a
nova classe opressora, pois “no regime burguês, os que trabalham não lucram, e os que lucram não trabalham”.
Ao tomar conhecimento de sua situação, o
trabalhador haveria de se organizar e lutar pela revolução do
proletariado, para derrubar a burguesia e criar uma sociedade sem
classes ou propriedades privadas. A revolução teria um caráter
transnacional (visto que o domínio do capital não reconhece fronteiras
ou nacionalismos), significado pela célebre convocação que encerra o
manifesto: proletários de todos os países, uni-vos!
Capa da primeira edição do Manifesto, em alemão
Selo soviético comemorativo pelos 100 anos do Manifesto, de 1948
O contexto mundial hoje é outro, e a herança das mais importantes experiências comunistas é agridoce,
com conquistas mas também repleta de horrores. Contudo, diante de um
mundo ainda tão desigual, várias das tensões levantadas por Marx e
Engels em seu manifesto permanecem contundentes. A produção econômica e a
estrutura social decorrente dessa produção seguem como base fundamental
da história política e intelectual de qualquer época – e os exploradores, assim como os explorados, permanecem.
3. A Obra Completa de William Shakespeare
“Ser ou não ser – eis a
questão. Será mais nobre sofrer na alma pedradas e flechadas do destino
feroz, ou pegar em armas contra o mar de angústias – e combatendo-o,
dar-lhe fim? Morrer; dormir; só isso. E com o sono – dizem – extinguir
dores do coração e as mil mazelas naturais a que a carne é sujeita; eis
uma consumação ardentemente desejável. Morrer. Dormir. Dormir! Talvez
sonhar. Aí está o obstáculo!” – Trecho do mais célebre solilóquio de Hamlet.
Retrato de Shakespeare, autor desconhecido
Há um enorme debate sobre se a obra de William Shakespeare
teria sido de fato escrita ou não por ele – ou mesmo se “um”
Shakespeare existiu – pois, para certos estudiosos, é difícil crer que
um cidadão comum do século XVI pudesse fluir de maneira tão graciosa,
inventiva e impactante pela língua inglesa, versando sobre amor,
política, história e até mesmo direito. O que não se discute, no
entanto, seja o verdadeiro autor quem for, é o impacto dessa obra.
Capa da mais antiga edição de Hamlet que se tem notícia, de 1605
A importância de Shakespeare não se
encerra no teatro ou na literatura – para as quais serve de perpétuo
paradigma de excelência. As palavras do bardo inglês são tão ricas que
tornaram-se base para uma ideia de literatura inglesa nacional, e até
mesmo para a unificação do inglês enquanto língua.
O crítico norte-americano Harold Bloom vai além: Shakespeare teria simplesmente inventado a “humanidade” enquanto paradigma comportamental e de identidade.
Sim, para ele Shakespeare criou, em seus personagens, o caminho que
utilizamos até hoje para nos entendermos culturalmente enquanto seres
humanos.
Sir Lawrence Olivier encenando Hamlet, em 1948
Manuscrito atribuido a Shakespeare
São 38 peças, 154 sonetos, dois poemas
longos e um tanto mais de outros versos e textos, escritos em sua
maioria entre 1589 e 1613. Suas peças foram encenadas mais vezes do que
as de qualquer outro dramaturgo, e traduzidas para todas as línguas.
Em 2016 será comemorado o 400º aniversário
do bardo que, para além de qualquer verdade sobre sua identidade, segue
soando e explicando a humanidade para nós mesmos, como uma espécie de
língua universal.
4. A República – Platão
“Os prisioneiros não podem
ver o que se passa atrás deles, e veem apenas as sombras que são
projetadas na parede em frente a eles. Pelas paredes da caverna também
ecoam os sons que vêm de fora, de modo que os prisioneiros,
associando-os, com certa razão, às sombras, pensam ser eles as falas das
mesmas. Desse modo, os prisioneiros julgam que essas sombras sejam a
realidade. (…) Há, pois, o mundo das ideias e o mundo das aparências.
Quem não percebe isto, vive como que numa caverna, onde o
conhecimento se faz por meio de sombras.” – Trecho do mito da caverna, em
A República, de Platão
Platão retratado pelo pintor italiano Luca Giordano
A mais famosa obra do filósofo grego
Platão, A República, é um diálogo socrático escrito no século IV A.C. e
dividido em dez livros. Nele, através da pena de Platão, Sócrates debate
sobre os sentidos de justiça, do estado, da alma e sua imortalidade, o
papel do filósofo, da arte e do poeta em sociedade – culminando na
criação da cidade de Calípole, espécie de cidade justa e ideal,
governada por filósofos.
Os poetas são expulsos de Calípole, para
afastar da população a má influência da “imitação” da realidade e
selvageria sentimental que seria a poesia.
Manuscrito de A República, datado do século IV A.C.
Um dos pontos mais diretos para se
compreender a influência de Platão ao longo da história é reconhecer que
o pensamento platônico é a base fundamental – para não dizer essencial –
da filosofia cristã. O mundo das ideias defendido por Platão como a
única verdade é, em Cristo, o Reino dos céus – e, em ambos os casos, o
amor, a realização e a felicidade são colocados como fatores
determinantes.
Busto de Platão
Democracia, utopia, idealismo, ideais,
amores platônicos, razão, academia, política, estado, direito, justiça e
desejo, Platão está presente em praticamente qualquer assunto, da
filosofia às artes, da ciência à matemática, da política ao direito e à
religião, e muito mais.
O Mito da Caverna,
excerto mais célebre da República, serve como forte paradigma para o
entendimento de como manipulamos e somos manipulados por ideias do que é
a “verdade”, a “realidade” (e como muitas vezes nos contentamos em
nossa ignorância) e é utilizado em estudos de comunicação, mídias,
jornalismo, internet, literatura e até mesmo no cinema – ou de onde você
pensa que veio a ideia para, por exemplo, a trilogia Matrix?
5. Crítica da Razão Pura, de Immanuel Kant
“Não se pode duvidar de que
todos os nossos conhecimentos começam com a experiência, porque, com
efeito, como haveria de exercitar-se a faculdade de se conhecer, se não
fosse pelos objetos que, excitando os nossos sentidos, de uma parte,
produzem por si mesmos representações, e de outra parte, impulsionam a
nossa inteligência a compará-los entre si, a reuni-los ou separá-los, e
deste modo à elaboração da matéria informe das impressões sensíveis para
esse conhecimento das coisas que se denomina experiência?” – Trecho de abertura de Crítica da Razão Pura.
Retrato em pintura de Immanuel Kant
Sem jamais ter colocado os pés fora de
Königsberg, então capital da Prússia e sua cidade natal, Immanuel Kant
escreveu, em 1781, Crítica da Razão Pura para se tornar um dos
mais importantes filósofos da era moderna. O livro, sua obra prima, é
até hoje um dos mais influentes trabalhos da história da filosofia.
Primeira edição do livro, de 1781
Kant procurava substituir a autoridade
religiosa pela autoridade da inteligência humana. Questionando a razão
de maneira geral, este livro pretende responder três perguntas
fundamentais: que podemos saber? Que devemos fazer? Que nos é licito esperar?
Distinguindo o conhecimento empírico
(que se dá após a experiência) do conhecimento puro (que independe dos
sentidos e da experiência, sendo assim universal), em Crítica, Kant
investiga não os “objetos” de conhecimento, mas sim, nosso modo de
conhece-los, olhando para a maneira como sujeito e objeto se relacionam.
Moeda de prata alemã em homenagem a Kant
De estilo pesado, escrita rebuscada e
conteúdo denso, o livro é naturalmente muito mais complexo do que
qualquer resumo permite. Crítica da Razão Pura tornou-se um dos
pilares do que se reconhece como filosofia moderna, e seria impossível
supor o surgimento de obras do quilate de Freud, Jung, Einstein, Weber,
Schopenhauer, Heideger, Foucault, Nietzsche e Bergson, entre outros, sem
que antes tivesse surgido Kant.
Túmulo de Kant, em Kaliningrad, antiga Königsberg
Sem precisar sair de sua cidade natal –
mas com a cabeça em toda humanidade -, pode se dizer que Kant, de trás
de sua mesa, inventou o pensamento moderno.
Foram mencionados na lista completa os livros O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir, O Significado da Relatividade, de Albert Einstein, Uma Breve História do Tempo, de Stephen Hawking, A Riqueza das Nações, de Adam Smith, e 1984, de George Orwell, entre outros.
Como sempre, essa é uma eleição
discutível e cheia de possíveis injustiças (a própria noção do que seria
um texto “acadêmico” e do que quer dizer “importante” é questionável).
Tais listas, no entanto, servem menos para alcançar alguma verdade
científica e mais para nosso apreço e diversão – e como futuro tema para debates infinitos em mesas de bar. Pois, como bem disse Borges em sua ‘Biblioteca de Babel’, “suspeito
que a espécie humana está prestes a ser extinta, mas a Biblioteca
perdurará: iluminada, solitária, infinita, perfeitamente imóvel,
equipada com volumes preciosos, inútil, incorruptível, secreta”.
Comentários
Postar um comentário