O café em SP que une pessoas de todas as idades para tricotar

 


Antigamente, era comum ver as mulheres da família tecendo roupas, toucas e cachecóis para os filhos e netos. Cada ponto dado na linha aquecia uma geração de corações que se derretiam ao falar da origem do que estavam usando. Depois de um certo hiato, eis que a moda volta e está fazendo sucesso no mundo todo em lugares como o Novelaria Knit Café, espaço de convivência em São Paulo onde pessoas de todas as idades se enrolam entre novelos e boas histórias.

Os chamados “Knit Cafés” pipocaram em vários lugares do mundo nos últimos anos, como Japão, Estados Unidos e Europa. Apesar do movimento ainda ser tímido no Brasil, já faz barulho em lugares como o Novelaria. Depois de trabalhar 30 anos com produção, a empreendedora Lica Isak se uniu com uma amiga e abriu as portas na Vila Madalena há cinco anos atrás. Atualmente tem a amiga Aida Fonseca como sócia, que mora no Uruguai.

O lugar tem cara de casa de vó, decorado com móveis vintage e alguns toques modernos. Tudo muito fofo e aconchegante. Nos sofás, poltronas, cadeiras de jardim e até no tapete os alunos se jogam na sua imaginação e focam nas agulhas. No caso da ex-cantora do Theatro Municipal, Liana Maria Lidger Conrado Pereira, a arte de tricotar voltou com tudo há alguns anos atrás. “Minha prima me ensinou quando eu tinha 7 anos, mas depois parei. Aí em 2006 comecei a fazer de novo e fiquei um tempo tricotando. Voltei ano passado ao trabalho manual e eu vinha quase todo dia aqui. Se eu erro o ponto em casa, corro pra cá também”, disse.


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Cega desde os 2 anos de idade, ela e seu cão-guia Sírios passam horas a fio entre agulhas, lãs coloridas e muito bate-papo, que já gerou muitos chales, mantas, ponchos, cachecóis e golas de tricô. E a coisa te engole de um jeito que eu mesma nem vi a hora passar e fiquei por lá até o fim do expediente. “As pessoas que fazem aulas acabam fazendo daqui um ponto de encontro, de onde saem amizades, negócios e muitas ideias bacanas. A gente não imaginou que daria tão certo!”, explicou Lica.

A memória afetiva e essa tradição de família continua enraizada em muitas pessoas. No caso da Lica, o gosto por tricotar foi um tanto inusitado. “Quando eu tinha uns 15 anos, era junho ou julho, entrou um ladrão na minha casa e roubou todos os casacos e os tênis que a gente tinha. Era frio o problema dele. Aí minha tia me ensinou a fazer cachecol e eu passei o inverno fazendo aquilo. Então eu sempre ia num armarinho pra comprar lã e tricotar quando chegava o frio”, contou.

No Novelaria as pessoas trabalham com lãs mais sofisticadas e importadas, de materiais diferentes como algodão, seda, tule e bambu. A estante repleta de cores e tipos está disponível para que alunas e alunos olhem, toquem e comprem o material com o qual vão trabalhar. “A ideia é a pessoa fazer sua própria roupa, que também é um movimento sustentável, que diminui o consumo. Você fazer uma peça para usar ou dar de presente tem um outro significado e essa é uma tendência.


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Entre um ponto e outro podem tomar um chá, comer um bolinho, ver as peças disponíveis para venda na bancada coletiva, trocar referências e compartilhar a mesma paixão. As aulas de tricô, crochê, bordado e tear podem ser avulsas ou por pacotes mensais e se dividem em cursos e oficinas para crianças, jovens, homens e mulheres – mas todos convivem juntos. As professoras acompanham cada aprendiz nos mãos diversos níveis de aprendizado e, a novidade para 2016 são as aulas ministradas por Thiago Rezende, do projeto Homem na Agulha.

Tricotar hoje em dia está longe de ser coisa de vovozinha. O estilista Gustavo Silvestre, que na Novelaria desenvolveu seu hobby e agora esta parceria, dá aulas no presídio de Guarulhos para um bando de marmanjos dispostos a dominar as agulhas. O pernambucano, que participa dos desfiles da SPFW, cria peças feitas de maneira totalmente artesanal e sustentável, reaproveitando materiais como lona de caminhão, garrafas PET recicladas, retalhos de tecidos e tinturaria natural.

Neste caso, as linhas que prendem os pontos libertam os encarcerados de seus piores pesadelos e do ócio. Além disso, as aulas de crochê dos 80 alunos os aproximam, de fato, da real liberdade: a cada 12 horas de aulas cumpridas se reduz um dia na pena. Este é um grande passo dentro do sistema carcerário em prol da ressocialização, do bem-estar e que futuramente pode até gerar renda. Fora que ainda promove o crochê para o público masculino, que há anos atrás se recusava a fazer “tarefas de mulherzinha”.

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As vantagens do tricô, crochê e outros trabalhos manuais são comprovadas pela ciência. Um estudo da Harvard aponta que a modalidade não só cresceu muito nos últimos 10 anos, mas que também promove um estado de relaxamento semelhante ao da meditação e da ioga, reduzindo os níveis de estresse.

Já o Journal of Neuropsychiatry & Clinical Neurosciences revela que transtornos cognitivos leves e perda de memória podem ser evitados com a prática de trabalhos manuais.Tem muita gente que largou a terapia, porque as pessoas se sentem à vontade aqui para desabafar, conversar e às vezes contam coisas tão íntimas…o bacana é que o tricô também é produtivo, você ganha conhecimento, faz para vender, ainda mais em época de crise, tem de tudo”, argumentou Lica.

Quando a lã entra em contato com as agulhas, o mundo pode desabar lá fora e vai estar tudo bem. O tricô relaxa, traz uma reconexão com você mesmo, tem cheiro de memória afetiva – que é uma delícia -, gera renda e ainda por cima é sustentável, promovendo o consumo consciente. Está estressado? Vai tricotar!


















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Todas as fotos © Brunella Nunes

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