Stephen Hawking: o adeus à estrela mais brilhante do universo científico

Desafiar paradoxos e ir muito além do que parecia um limite insuperável era o ofício do físico britânico Stephen Hawking. Como que inspirado ou impulsionado pela própria condição limitadora que sua doença impunha sobre seu corpo, vencer todo tipo de limites tornou-se sua profissão de vida: os limites do corpo, do sofrimento, do que um deficiente físico é capaz, da tecnologia, os limites do pensamento humano, das leis da física, do universo, da existência e até do tempo e do espaço – esse era o tamanho do campo de atuação, da mesa de trabalho, da folha em branco sobre a qual Stephen Hawking se debruçou ao longo dos 76 anos da imensa vida e legado do maior e mais celebrado cientista recente e um dos mais importantes em todos os tempos, que hoje se encerrou em Cambridge, na Inglaterra.


Hawking tornou-se o mais importante cientista do mundo depois de Albert Einstein ao mesmo tempo 
em que enfrentava a sombra do diagnóstico de esclerose lateral amiotrófica (ELA), uma doença devastadora e fatal que paralisa as atividades musculares do corpo sem, no entanto, afetar as capacidades cerebrais – e que pode culminar na impossibilidade de respirar e na morte em pouco tempo. O tempo, no entanto, revelou-se uma força misteriosa e relativa na própria vida do físico.


Com um ano, à esqueda, ao lado de sua irmã Mary

Hawking em 1979

Como num capricho do destino, ao mesmo tempo que a doença lhe limitou as possibilidades motoras ao extremo, o aprisionando gradativamente à cadeira de rodas e à comunicação mediada por tecnologia, ela também progrediu de forma muito mais lenta do que era esperado, permitindo que ele vivesse mais de 50 anos após seu diagnóstico, aos 21 anos (e a afirmação de que não viveria mais de 3 anos) e servindo até mesmo como uma propulsão de estímulo e pressa, para que Hawking produzisse uma das mais impactantes obras científicas em todos os tempos.

 

Hawking no barco com a equipe de remo de Oxford e abaixo, também com a equipe – ele é o mais animado, à direita, com o braço pra cima



“Minhas expectativas se reduziram a zero quando tinha 21 anos. O restante foi um presente”, ele disse, em 2004.

O casamento com sua primeira mulher, Jane Wilde Hawking

Tendo crescido como um aluno mediano que demorou a escrever (tal qual Einstein), para esse “restante” da vida ele reservou uma ambição nada simplória: explicar o universo em sua completude. O tamanho virtualmente impossível de tal tarefa não parecia diminuir o ânimo com que o físico a enfrentava.

Tendo ganhado uma bolsa de estudos aos 17 anos, em 1959 ele entrou para a Universidade de Oxford, onde desenvolveu vasto interesse pela relatividade, termodinâmicas e mecânica quântica, formando-se com honras em Ciências Naturais, em 1962. Em seguida ingressou em Cambridge, para dar continuidade em seu estudo de cosmologia. Se não tivesse doença alguma, sua carreira já seria um ponto alto e mais brilhante da inteligência humana, e por sua força, seu humor inabalável e seu intelecto raro é que hoje Stephen Hawking é celebrado em todo o universo.

Com sua mulher e seus três filhos, na década de 1970

Ele se tornou um verdadeiro ícone pop não só por suas ideias, mas pela elegância com que sabia comunica-las ao público, através de suas falas e livros, mas também por sua própria condição e figura: um gênio, capaz de desafiar e explicar grandes mistérios do universo, preso imóvel a uma cadeira de rodas, comunicando-se através de movimentos oculares que selecionavam palavras em um computador e as emitia por um sintetizador de voz.


Físico teórico, cosmólogo, doutor em cosmologia, Hawking foi professor lucasiano emérito na Universidade de Cambridge de 1979 a 2009, ocupando um posto que já havia sido de ninguém menos que Sir Isaac Newton, e tendo vendido dezenas de milhões de livros em todo o mundo (em especial com as obras Uma Breve História do Tempo e O Universo Numa Casca de Noz). Seu maior feito enquanto cientista foi provavelmente explicar os buracos negros e sua gigantesca densidade, capaz de atrair todo objeto – até mesmo a luz – para sua gravidade intensa.

Ao centro do buraco negro, segundo Hawking (em parceria com o cientista Roger Penrose), encontra-se o que ele chamou de “singularidade”, uma compressão tão grandiosa de matéria em um ponto tão pequeno que a gravidade se torna infinita, sugando tudo a esse ponto de densidade infinita e fazendo um rasgo “no tecido do universo” – e, com isso, suspendendo as leis da física como conhecemos. A singularidade no espaço-tempo foi entendida como uma característica da relatividade geral.


A grande revelação de sua teoria, no entanto, prevê que tais buracos negros não são vazios e, ao contrário do que se pensava, emitem energia em partículas subatômicas, conhecidas como a radição Hawking. Um buraco negro, segundo Hawking, por conta de tais partículas e suas massas negativas, não só emite radiação como podem radiar toda sua energia até desaparecer, não sem antes explodir com a força de um milhão de bombas atômicas.
“Buracos negros não são tão negros quanto se pensava, nem são a prisão eterna que um dia se pensou; coisas podem sair de um buraco negro, possivelmente para outro universo. Se você sente que está em um buraco negro, não desista: há uma saída”, ele disse, em uma palestra.

Acima, o físico com o Papa Francisco, em 2013; abaixo, com Nelson Mandela, em 2008


O ponto geral é que sua teoria mostra que, em certo momento, tudo no universo esteve comprimido em uma “singularidade”, que explodiu no Big Bang e formou tudo que hoje existe – o começo de nosso universo. Assim, as teorias de Hawkig hoje nos ajudam a entender melhor as origens do universo – e, de certa forma, cumprem um bocado a tarefa “impossível” a que se propôs. Pensar que Hawking desenvolveu, trabalhou e concluiu tais teorias sem ter a capacidade de sequer escrever, somente através de seus pensamentos, torna seus feitos ainda mais impressionantes. “Somos apenas uma estirpe avançada de macacos em um planeta menor de uma estrela muito comum. Mas podemos entender o universo. Isto nos torna muito especiais”.

A placa do “Prof. Hawking” em Cambridge

Ainda que naturalmente não fosse afeito à ideia de coincidências, Hawking definitivamente presava o bom humor, e se divertiria com o fato de que sua morte, assim como seu nascimento, foi marcada por coincidências especialmente curiosas: o cientista nasceu exatamente 300 anos depois da morte de Galileu, em 8 de janeiro de 1942, e morreu no dia 14 de março de 2018, aniversário de 139 anos de ninguém menos que Albert Einstein. Para coroar ainda mais essa simpática conjunção, 14 de março, nos EUA, também é conhecido como O Dia Pi – pela maneira que o país escreve a data, com o mês à frente do dia, esse dia se torna 3,14, o valor de pi. “A vida seria trágica se não fosse engraçada”, disse.

Em 1995, quando de seu segundo casamento com Elaine Hawking, então sua enfermeira

Hawking casou-se duas vezes e deixou três filhos e o legado fundamental de procurarmos compreender e superar mesmo as mais difíceis barreiras, sem se deixar levar por atalhos ou simplificações do que é realmente complexo e fantástico em nossa existência.
“Eu acredito que a explicação mais simples é: não existe Deus. Ninguém criou o universo e ninguém dirige nossos destinos. Isso me leva ao profundo entendimento de que provavelmente não existe céu e nem vida após a morte. Temos apenas esta vida para apreciar o grande projeto do Universo, e sou muito grato por isso”, ele disse.
Em 2008 com sua filha Lucy

Em 2007, em uma comovente e poética utilização da ciência para ilustrar a superação dos limites humanos, Hawking embarcou em um avião especialmente modificado até o limite da atmosfera terrestre, para realizar um sonho: experimentar a micro gravidade e flutuar. Além de sentir no corpo essa incrível suspensão de leis da física terrestre, naturalmente que a beleza da cena é poder assistir, ainda que por breves momentos, aquele corpo livre das amarras de suas limitações, flutuando e “movendo-se” livremente novamente.


“Para mim, foi a verdadeira liberdade. Pessoas que me conhecem afirmaram que foi o maior sorriso que já viram em mim. Eu fui o Super-Homem por alguns minutos”. Em seu tributo à vida do físico, a agência espacial americana referiu-se a essa fala de Hawking: “Suas teorias abriram um universo de possibilidades que nós e o mundo estamos explorando. Que você siga voando como o Super-homem na microgravidade”, a NASA postou.


Seu habitat natural, no entanto, era mesmo a Terra, em especial a Universidade de Cambridge, onde era comum, por diversas décadas, que os alunos cruzassem com Stephen em sua cadeira de rodas, rumando à biblioteca ou ao seu escritório, procurando quem sabe alguma porta de entrada escondida para os maiores e mais desafiadores mistérios do universo – o quintal da grandeza de sua inteligência e de sua própria vida.

Hawking, em 2013, na Universidade de Cambridge

“Uma das regras básicas do universo é que nada é perfeito. Perfeição simplesmente não existe. Sem a imperfeição, nem eu nem você existiríamos”.


Recebendo em 2009 a Medalha da Liberdade das mãos do presidente dos EUA, Barack Obama


Uma de suas participações nos Simpsons

Na década de 1970, à frente de um retrato de Sir Isaac Newton

“Olhe para as estrelas, e não para seus pés”

 


© fotos: AP/Getty Images/Reuters

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