10 sociedades anarquistas que funcionaram
A palavra “anarquia” ganhou um sentido ideológico hoje que não faz jus ao pensamento original.Um dos precursores do anarquismo foi William Godwin (1756 – 1836),
que propunha um novo tipo de arranjo social em que as pessoas não
estivessem subordinadas à força dos governos e leis.
Na época, o anarquismo, como o comunismo, era visto como um sistema
de governança alternativo que poderia substituir o capitalismo, criando
uma sociedade mais justa.Os anarquistas acreditavam que toda instituição dotada de poderes
impedia o alcance da liberdade. Dessa forma, o Estado, a Igreja e outras
instituições deveriam ser abolidas em favor de um mundo regido por
pessoas livres. Além disso, as classes sociais também deveriam ser
combatidas, por meio da extinção das propriedades privadas.
Apesar de ter florescido e ganhado força ao longo do século XX, o
anarquismo não conseguiu se firmar como movimento generalizado no mundo
moderno, embora tenham existido algumas tentativas bem-sucedidas.Confira exemplos de sociedades anarquistas que funcionaram por um tempo, ou que funcionam até hoje:
10. Revolução anarquista catalã
Em resposta ao golpe de Estado espanhol de julho de 1936, quando os
fascistas tentaram controlar a Espanha, a Confederação Nacional do
Trabalho-Federação Anarquista Ibérica (na sigla em espanhol, CNT-FAI),
um partido anarquista da Catalunha, liderou uma revolta popular
organizando milícias contra as forças nacionalistas.
Essas milícias eram constituídas por 18 mil trabalhadores (incluindo
George Orwell, que lutou pelos catalães). Eles foram capazes de derrotar
as forças nacionalistas e ganhar independência. As milícias eram
lideradas por delegados eleitos que decidiam juntos o curso de ação de
cada uma.
A CNT-FAI foi criticada por se juntar ao governo nacional, o que
significava trabalhar com grupos socialistas como o Partido Socialista
Unificado, mas afirmou ter feito isso para ter uma melhor chance de
ganhar a guerra contra a Espanha.
Também foi capaz de implementar algumas das políticas que defendia,
como a coletivização de terras e recursos. Os anárquicos incentivaram a
coletivização voluntária, onde os trabalhadores reuniam seus recursos e
realizavam reuniões gerais com todos os seus participantes. As fábricas
também foram confiscadas e controladas por comitês de operários.
Eventualmente, o governo anarquista caiu em uma grande ofensiva nacionalista em 1938.
9. Comuna de Paris
Em 1871, a Comuna de Paris surgiu como uma reação à guerra
franco-prussiana, sendo
frequentemente considerada como o primeiro
exemplo de classe trabalhadora conquistando poder.
Depois que o exército francês foi derrotado pelos alemães, a Guarda
Nacional de Paris se uniu aos cidadãos para realizar eleições livres e
determinar quem governaria a cidade.
A “Comuna” implementou políticas anarquistas, como transformar os
locais de trabalho em cooperativas. Nas palavras de Mikhail Bakunin, um
comunista famoso na época, foi uma “negação claramente formulada do
Estado”.
Entretanto, os anarquistas se opuseram a algumas ações da Comuna,
como o estabelecimento de um Comitê de Segurança Pública que usava o
terror para proteger os ideais da revolução. No geral, eles acreditavam
que a Comuna não iria longe porque manteve ideias de representação
governamental.
Por fim, o governo da França derrotou a Comuna e restabeleceu seu controle sobre a cidade.
8. Território Livre
O Território Livre foi um estado anarquista criado na Ucrânia por Nestor Makhno, cuja existência durou de 1918 a 1921.
Este foi um dos poucos Estados baseados inteiramente na ideologia
anarquista no mundo, e tinha uma bandeira bastante provocativa: uma
imagem de um crânio com as palavras “Morte a todos que impedem o caminho
da liberdade para os trabalhadores!”.
Com um exército de 100 mil homens, conhecido como Exército Negro,
Makhno assumiu a seção sudeste da Ucrânia e implementou uma sociedade
anarquista, estruturada através do estabelecimento de organizações
trabalhistas e camponesas em que os membros votavam questões específicas
em comitês. Avessos a um governo central de qualquer tipo, congressos
eram convocados para discutir questões nacionais que precisavam de
debate.
No final, o Exército Vermelho invadiu o Território Livre e conseguiu
finalmente derrotar o Exército Negro em 1921. Ironicamente, Trotsky
havia escrito em suas memórias que ele e Lênin haviam considerado
seriamente a criação de uma sociedade anarquista como meio de
experimentar com a ideia de uma sociedade sem Estado.
7. Freetown Christiania
Criada em 1971, a comunidade anarquista Freetown Christiania, em
Copenhague, na Dinamarca, ainda está ativa. Fundada em uma área militar
abandonada, a comunidade simplesmente reivindicou o local, declarando-o
uma cidade livre.
Como resultado desse status, seus ocupantes não precisam pagar
impostos e podem vender maconha abertamente. A comunidade também
desencoraja a propriedade privada, inclusive proibindo seus cidadãos de
possuir carros particulares. Armas e violência também são proibidos,
como forma de evitar crimes.
Em 2012, o governo dinamarquês decidiu vender a terra para os
moradores da comunidade, e eles aceitaram o acordo. Uma fundação foi
criada para garantir que a propriedade da terra fosse coletiva.
6. Twin Oaks
Em 1967, um pequeno grupo de pessoas decidiu construir uma sociedade baseada nos valores de igualitarismo e sustentabilidade.
A comunidade de Twin Oaks se reúne em 400 acres de terra no estado
americano da Virgínia, onde seus membros se dedicam a atividades como
jardinagem, agricultura e artesanato.
Todos os recursos que eles obtêm – como as colheitas ou o dinheiro da
venda de artesanato – são divididos. Todos os automóveis, motos,
computadores e instalações recreativas compradas pertencem à comunidade e
estão disponíveis para uso geral.
5. Comuna de Strandzha
A Comuna de Strandzha, na Bulgária, foi uma sociedade anarquista proclamada em 18 de agosto de 1903.
Liderada por Mihail Gerdzhikov, um guerrilheiro da Organização
Revolucionária Interna da Macedônia, seu exército de apenas cerca de
2.000 pessoas conseguiu estabelecer um governo provisório nas montanhas
de Strandzha, enfrentando uma oposição turca de 10.500 soldados.
Um sistema comunitário foi estabelecido, e os recursos eram
distribuídos uniformemente de acordo com a necessidade. No entanto, a
comuna foi derrotada pelas forças otomanas apenas um mês depois, em 8 de
setembro de 1903.
4. Região Autônoma de Shinmin
Em 1924, a Federação Comunista Anarquista Coreana (KACF, na sigla em
inglês) começou a promover a criação de sindicatos anarquistas e de um
sentimento anti-imperialista na China.
Cinco anos depois, declarou que a província de Shinmin era
independente da China e imediatamente procurou estabelecer uma forma
descentralizada de controle na região.
Como outras sociedades anarquistas, a KACF adotou uma associação de
“comitês” criados especificamente para áreas, distritos e aldeias. Esses
“conselhos” cooperavam uns com os outros e decidiam individualmente em
questões como agricultura, finanças, educação e outras decisões
importantes para a comunidade.
No entanto, devido às tentativas do Japão Imperial de conquistar a
região, bem como as investidas de Stalin para derrubá-la, a KACF foi
finalmente derrotada em 1931.
3. Rojava
Embora não seja uma sociedade anarquista, Rojava (também conhecida como
Federação do Norte da Síria) é uma zona autônoma influenciada por
princípios anarquistas.
Separada do governo sírio desde novembro de 2013, seu sistema
político oficial é descrito como socialismo libertário. Rojava empresta
seus ideais do filósofo Murray Bookchin, que propôs que o Estado-nação
ideal deveria promulgar o “municipalismo libertário”. Essencialmente,
isso significa criar assembleias para votar problemas a nível local e
executá-los dentro de suas comunidades.
Abdullah Ocalan, membro influente do Partido dos Trabalhadores do
Curdistão, ordenou que seus seguidores criassem essas assembleias
municipais, eventualmente se desenvolvendo para o sistema atualmente
seguido.
2. Zomia
Estendendo-se das terras altas vietnamitas e do planalto tibetano até o
Afeganistão, Zomia é uma região geográfica com uma população de 100
milhões de pessoas cujo nome foi cunhado por Willem van Schendel, da
Universidade de Amsterdã (Holanda), em 2002.
A área é vista por alguns cientistas políticos, como James Scott, da
Universidade Yale (EUA), como uma rejeição do Estado moderno e um
exemplo de sociedade anarquista em ação.
A China e o Vietnã não têm controle sobre essa região “fora do
alcance”. Como resultado, eles se autogovernam em grande parte. As
culturas tendem a ser ferozmente não hierárquicas, com regras que
limitam a quantidade de riqueza e poder que se pode exibir.
Scott argumenta que a região se formou como resultado de pessoas
fugindo de estruturas mais tradicionais de Estado para ganhar mais
liberdade. Por exemplo, a falta de linguagem escrita na Zomia foi uma
escolha consciente dos nativos, feita por causa da burocracia inerente
que pode surgir a partir dela.
1. Bir Tawil
Embora não seja um Estado nem uma sociedade, Bir Tawil é um local ideal
para os anarquistas tentarem implementar suas ideias sem precisar
provocar qualquer governo próximo.
Isso porque é uma das poucas áreas no mundo não reivindicadas por um
Estado-nação reconhecido. Portanto, é efetivamente uma região sem lei e
sem governo.
Esta anomalia ocorreu quando os britânicos assinaram um acordo com os
egípcios afirmando que a sua nova colônia britânica do Sudão teria uma
fronteira com o Egito ao longo do paralelo 22. Ao mesmo tempo, os
britânicos criaram uma fronteira administrativa separada que colocava as
tribos de Hala’ib (ao norte do paralelo 22) sob a jurisdição do Sudão. O
triângulo de Bir Tawil (ao sul do paralelo 22) ficou sob o controle do
Egito.
Quando o Sudão alcançou sua independência em 1956, o governo
reivindicou a fronteira administrativa como sua fronteira oficial,
enquanto o Egito reivindicou o 22º paralelo como sua fronteira.
Isso criou uma discrepância em que ambas as nações reivindicavam a
região de Hala’ib, mais valiosa, enquanto nenhuma reivindicava Bir
Tawil.
Como resultado, a terra é oficialmente um dos poucos lugares onde nenhum governo afirma exercer controle.
Bônus: Colônia Cecília
A Colônia Cecília foi provavelmente a primeira experiência anarquista no
Brasil. Fundada pelo italiano Giovanni Rossi nas terras de Palmeira,
cidade do Paraná, funcionou durante quatro anos, de 1890 a 1894.
No auge da comunidade, ela contava com 250 habitantes, muitos deles
imigrantes italianos. O trabalho era distribuído entre os colonos, e
eles praticavam conceitos como o ateísmo e o amor livre – coisas, aliás,
que faziam Cecília não ser vista com bons olhos pelo resto do país.
Como em outras sociedades anárquicas, as decisões eram tomadas
coletivamente em assembleias. Todos os habitantes possuíam o direito de
opinar. Entre outros aspectos, Giovanni Rossi estabeleceu um método
chamado pedagogia ácrata, considerada um ensinamento ao ar livre.
Entre os principais motivos para o fim da Colônia Cecília estão a
miséria dos colonos, discórdia no que se refere à divisão de tarefas,
ciúme derivado da prática do amor livre e o relacionamento dos
imigrantes sicilianos com os maragatos durante a Revolução Federalista. [BrasilEscola, InfoEscola, Listverse]
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