20 anos de OK Computer, do Radiohead, obra-prima que segue atual e agora é relançada em edição de luxo




Em 1997, o fim do século e o fim do milênio pareciam sugerir que tudo estava prestes a terminar – até mesmo o rock e a música pop, que ao longo dos 50 anos anteriores se afirmaram com tanta força que nos deram a impressão de que seriam eternos.


Mas nada é eterno e nada permaneceria em seu velho lugar – e nosso amado século XX carecia de uma despedida musical à sua altura. No hiato entre a morte de Kurt Cobain – o último grande herói do rock – e o apagar de luzes do britpop na Inglaterra, foi que a banda inglesa Radiohead aceitou a tarefa de ninar em canção o velório de um século. Num mesmo gesto, OK Computer, a obra-prima da banda, abriu a porta do século por vir e bateu com força a porta da época que ficava para trás.

Rock Band Radiohead
Radiohead em 1997, na época do lançamento do disco 

20 anos se passaram desde o lançamento deste que pode ser considerado o último disco que realmente importou na história do rock, e agora OK Computer será relançado e comemorado em edição de luxo. Cantando a alienação e a falência de todos os projetos que significaram nossas ideias e ideais até então – misturando ainda discretamente as influências eletrônicas (que viriam a dividir a atenção estética da banda dali em diante) com guitarras supersônicas e distorções apocalípticas de uma grande banda de rock – OK Computer acabou por se tornar a maior afirmação artística de uma banda que até então havia colecionado alguns tímidos sucessos, numa era em que o domínio da música alternativa, ao longo da década de 1990, começava a minguar de vez.

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O tipo de sucesso alcançado com OK Computer é também um sintoma de época, algo que hoje não só parece impossível, como de certa forma perdeu seu sentido, deixou de existir, feito uma miragem do passado: o sucesso comercial que se afirma em cima do sucesso de crítica.

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O vocalista Thom Yorke

Tendo vendido mais de 5 milhões de cópias, o disco foi, antes de tudo, reconhecido quase que instantaneamente como um marco – elevando o Radiohead à condição de se tornar, como disse seu vocalista Thom Yorke, “uma dessas bandas para alguém… Como The Smiths ou REM, que imprimem algo em nossos corações, e se tornam um motivo para se seguir em frente”.

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The Smiths, uma das bandas que influenciaram o Radiohead

Sim, o Radiohead se tornava uma dessas bandas inspiradoras, maiores do que a vida, do que o mercado fonográfico, do que as transformações tecnológicas, do que as intempéries comerciais – título que hoje solitariamente carregam, como provavelmente a mais importante banda de rock em atividade no mundo.

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A violenta sonoridade das guitarras de Jonny Greenwood é determinante na estética do disco

Se a internet viria pra acabar com qualquer ideia duradoura e aurática do que entendíamos simbolicamente como um “disco de rock”, o Radiohead foi o canto do cisne desse ícone cultural que tanto moldou as juventudes e cabeças do passado, lançando OK Computer como justamente um ponto de virada – uma despedida certeira em um disco ainda eterno e a ser ouvido pelas próximas gerações como se tivesse sido lançado ontem.

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Era, ao mesmo tempo, um clássico disco de art-rock, ou art-pop (desses que elevam um álbum a muito além da mera reunião de canções atuais de um artista, como uma obra de arte complexa e plural, capaz de revelar e significar, de forma inclemente e sem dó, sua própria época e as épocas por virem), e um trabalho que parecia sugerir, numa mesma tacada, o fim e o futuro do rock. Senão o fim do rock, ao menos o fim da ideia de discos se tornarem eventos “históricos” – e seguimos esperando um disco que contrarie esse decreto.

Desde OK Computer, porém, nenhum chegou sequer perto – nem Strokes, Arcade Fire, White Stripes ou Franz Ferdinand.

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Já no disco anterior, The Bends, a banda indicava que não construiria sua carreira em cima do sucesso de “Creep”, hit deliciosamente pop (que já sugeria a melancolia apocalíptica que definiria o espírito do que viria nos próximos discos, mas ainda com a timidez e a simplicidade de um adolescente raivoso).

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A banda então mergulharia em instrospecção, rumo a extremos no uso de guitarras, arranjos não usuais e na colocação vocal de Thom Yorke, indo da doçura à fúria rascante em poucos compassos para criar sua obra-prima.

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Radiohead, na época do The Bends

O caminho para OK Computer estava secretamente trilhado. Quando o primeiro single anunciando o disco foi lançado, porém, ficou claro que ninguém estava pronto para o que viria: “Paranoid Android“, um épico distópico e futurista, com 6 minutos e meio de duração, parecia ao mesmo tempo a canção menos comercial a procurar o sucesso, e uma criação fadada a se tornar um clássico instantâneo.

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Capa do compacto de ‘Paranoid Android’

Quando eu for rei, você será o primeiro contra o muro/ Com suas opiniões que não possuem consequência alguma/ O que é aquilo?” pergunta Yorke, nos capturando pelas vísceras da dura sensação de reconhecimento que certos discos nos oferecem – feito fossem espelhos daquilo que não nos orgulhamos ou mesmo desejamos em nós, mas que não podemos não ver.

Da mesma forma que The Bends abriu o caminho, as letras estranhas e abstratas, a densidade sonora, a riqueza de detalhes atmosféricos, as dissonâncias harmônicas, as melodias sombrias e originais de OK Computer fundaram o espaço para o que o Radiohead viria a fazer subsequentemente – sempre migrando entre o eletrônico e o rock, o experimental e o pop, o político e o abstrato, como uma banda que se torna ela própria um estilo musical autônomo, sem precisar nem poder estar atrelada um rótulo ou definição.

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Jonny Greenwood e Thom Yorke 

Outra marca de época em OK Computer – que hoje tem em sua impossibilidade o sinal dos tempos que vivemos – é a ideia de um disco que, ao subverter as noções do que se esperava de uma banda, ou mesmo de como um disco deve soar e falar para se tornar um sucesso, consegue por isso alcançar o reconhecimento e as paradas de sucesso. “A ambição faz você parecer horrível”, eles cantam, para em seguida decretarem em ironia a máxima das distopias: “o pânico, o vômito, deus ama suas crianças” – e deixarem as guitarras de Johnny Greenwood e Ed O’Brien ditarem o tom explosivo e catártico que destrói qualquer inércia melancólica em mil pedaços.

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O’Brien e Greenwood

Os videoclipes de “Paranoid Android”, “Karma Police” e principalmente “No Surprises” – uma obra-prima tanto em sua simplicidade quanto no impacto e no diálogo visual com o clima e a letra da canção – confirmaram que aquela até então estranha banda havia se tornado um monstro capaz de destruir cidades e estruturas que jamais poderia ser contido.




A sequência de discos imediatamente posteriores – Kid A, Amnesiac, Hail To The Thief e In Rainbows – posicionariam a banda no solitário post de apontar “futuros” para a música popular, organizar e revelar espíritos de época diversos, e definiram o Radiohead como a última das bandas que importam no cenário de rock mundial – uma banda que garantiria a última vaga no olimpo do estilo, ao lado de imortais como Beatles, Stones, Queen, Pink Floyd, Clash e Nirvana, entre (poucos) outros.

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Capa do disco Hail To The Thief

De 1997 pra cá outros estilos tomaram pra si a possibilidade, antes exclusiva das bandas de rock, de um álbum impactar e transformar a vida de quem o ouve, sua época e o sentido da própria indústria cultural de forma ampla e geral – Back to Black, de Amy Winehouse, e Lemonade, de Beyoncé, comprovam tal expansão – alcançando sucesso de crítica e de público.

Os tempos deixaram de ser afeitos a elevação de cantores e compositores à condição de heróis, deuses, poetas e profetas detentores da verdade, do caminho e do espelho que usamos para nos identificarmos como nós mesmos.

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Thom Yorke hoje em dia

O que parece não mudar (ou assim nós esperamos) é que sempre haverá – mesmo que isso exija um tempo maior do que nossa ansiedade e sede de novidade possa cobrar – um artista capaz de conjugar coragem, audácia, talento e corações em fúria para criar algo novo, inteligente, indo além do que esperam os ouvidos adestrados de sua época.

Passadas duas décadas, OK Computer será relançado em uma edição de luxo remasterizada, batizada de OKNOTOK, incluindo três faixas jamais lançadas (“I Promise”, “Lift” e “Man of War”) e oito outras canções já lançadas incluídas. A edição pode ser adquirida como um CD duplo, um vinil triplo, e junto pode trazer uma fita cassete (com sessões de arquivo e demos do disco), além de um livro com artes jamais lançadas, e um caderno de anotações impresso com as escritas de Thom Yorke da época.

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OKNOTOK, edição comemorativa de luxo pelos 20 anos do disco 

De toda forma, sentimentos como a paranoia, perseguição, o lado obscuro e retrógrado que o excesso de tecnologia pode nos trazer, a onipresença da mídia como regulador de nossos medos e desejos, tudo isso permanece aceso e assombroso, mesmo 20 anos depois. A atemporalidade costuma ser uma exigência para um disco se tornar histórico, e hoje reconhecer OK Computer como não só parte da história principal do rock e do pop, mas como um documento de época e um rico comentário poético e sonoro a respeito da realidade em que vivemos é o mínimo a se dizer sobre esse disco – o último de seu tipo, um registro de quando uma banda consegue driblar os pormenores da indústria o suficiente para criar uma obra de arte, e falar diretamente para e sobre seu tempo, indo, assim, justamente além desse mesmo tempo que ele retrata.

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© fotos: divulgação

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