Encontro de Hip Hop em SP reúne cultura afro e de rua com destaque para as mulheres



Imagine a seguinte cena: um paredão de Boombox, aqueles enormes e antigos rádios toca-fitas; carros que conseguem pular com o movimento da suspensão; um cercado com pessoas jogando basquete; painéis sendo grafitados; mulheres exibindo seus poderosos black powers e um monte de carecas tatuados com cara de máfia mexicana. Pode parecer o bairro Bronx, berço do rap em Nova York, ou o clipe “It Was a Good Day”, do Ice Cube, mas na verdade foi o que vi no Encontro Paulista de Hip Hop, em São Paulo.

Chegando à sua 10ª edição, o encontro foi criado em 2007, em homenagem ao rapper Sabotage, com a missão de proporcionar debates e reflexões sobre elementos da cultura hip hop, combater a discriminação e valorizar a cultura que saiu dos guetos e ganhou o mundo. Anualmente, ganha um tema central que serve como diretriz, e dessa vez foi Cultura de Paz e Prosperidade, que definitivamente moveu essa galera pelas curvas do Memorial da América Latina. Neste ano, ganhou também o auxílio do projeto ‘A Rua é Sua’, iniciativa da Rede Globo que estimula e valoriza a prática de esporte em espaços públicos abertos.

*As músicas postadas aqui foram a minha playlist enquanto construía esse texto. Entre no clima e dá o play aí! 😉

Logo que cheguei já me deparei com uma pequena cesta de basquete cercada por uma grade, como as que se veem nas ruas nova iorquinas e em alguns poucos bairros do Brasil. Ali havia um duelo e quem fazia cesta ia ficando para desafiar outras que chegavam. Ao redor estavam meninos vestindo camisetas de seus times favoritos, como o L.A Lakers, outros que usavam roupas étnicas e dreads, garotas com grandes argolas nas orelhas e bandanas nas madeixas afros, algumas delas andando de skate. Isso não é só estilo ou moda, são raízes que se revelam dentro da diversidade que nos constrói como seres humanos.

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Atrás estava o palco que contou com DJs e contou com show nas vozes de Rashid, um dos principais nomes do rap na atualidade e um monte de mulheres que, até uns anos atrás, viviam mais como coadjuvantes do que protagonistas dentro dessa (e tantas outras) cultura, mas agora estão mais empoderadas do que nunca. Pretas Sonoras, Amanda Negra Sim, Cris SNJ, Shirley Casa Verde, Drik Barbosa e Mayarah Magalhães mandaram suas rimas de resistência em alto e bom som, numa linda apresentação com cenografia dos VJs FYLO visual art e Estúdio Laborg.

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Fotos: © Alexandre Gonçalves

Aliás, as minas comandaram não só o palco mas também o debate sobre a cultura hip hop como instrumento de transformação social, que contou com participações da arquiteta e militante do movimento negro Joice Berth, a rapper Shirley Casa Verde, o rapper e refugiado nigeriano Uchen e o rapper Rashid, com mediação do MC Who. Já o espaço de literatura teve curadoria da Frente Nacional Mulheres no Hip Hop, movimento forte de equidade de gênero, que expôs perifeminas, literatura marginal negra e periférica, e fanzines. Ao lado estavam vários Boombox expostos, rádios toca-fitas que são símbolo da cultura hip hop, usados como instrumento para apresentações de break dance, juntos com jaquetas personalizadas. Dentro do Memorial havia ainda uma exposição de fotografias Homenagem a São Bento, uma alusão à região da estação São Bento do Metrô, no centro de São Paulo, considerado o berço do hip hop na capital paulista, com participação dos pioneiros do movimento das décadas de 1980 e 1990.

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Já os murais brancos ganharam cores dos artistas Katia Suzue, Ana Clara, Lelin, Michel Cena 7, Bone, Primo, Will Art, Robinho Black Star e Ale140, com curadoria feita pelo Grupo OPNI. Logo ao lado, estava a galera do Matilha Car Club, expondo carros lowrider, aqueles que rapper gringos como Snoop Dogg adoram. Para quem nunca viu, seriam automóveis que “pulam” com ajuda da suspensão de ar, e no geral são modelos como o antigo Chevrolet Belair que ganham essa customização nada discreta.

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Outras pequenas notáveis são as bikes lowriders, rodeadas por espelhos que ajudam a dar aquele efeito nos acessórios cromados e um monte de carecas mal-encarados, tipo os integrantes do Cypress Hill, sabe? Mas peraí, de mal eles não têm nada. Na real, eles são de uma simpatia que até assusta. Conversei com uma dupla do Clanmunhão Lowrider Club. O presidente é Levi dos Santos, que está há 16 anos na “clanmunhão”, como eles chamam o grupo, mistura das palavras família (clã) e união.

Essas duas palavras mantêm a ordem, porque aqui em terras tupiniquins não existe gangue, competição e briga entre os clãs, como muitos podem até pensar a julgar pela aparência dos caras. “Competição é mais na gringa, tem lá os bandidos mexicanos, gangue. Nós não vivemos isso, não vivemos o lado do ‘chicano’. Já vem da cultura deles serem competitivos, se apresentarem”, me contou Eduardo, integrante do grupo há três anos. Queremos trazer a nossa essência, paraibano, pernambucano, paraense. Queremos viver isso e não trazer a cultura dos caras de fora. Eles que importem a nossa cultura e não o contrário. Respeitamos a deles, mas temos a nossa”, pontuou Levi.
De fato, a customização no Brasil surpreende e tem realmente raízes que formam a nossa cara. Diferente do que eu pensava, que seria o uso de peças importadas, é tudo feito na raça, no esquema faça-você-mesmo. “É mais trabalhoso fazer. Lá com 1000 dólares você monta uma bike, aqui não compra nem uma roda. Antes trazíamos de fora, agora o Eduardo faz todas as peças, 99% feito por nós. Mas ano que vem vai ser 100% nosso”, explicou Levi.

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Na bike do Eduardo, que era roxa, com acessórios cromados e uma porção de dados, foram investidos R$ 800, com tudo feito por ele ao longo de quatro anos. Se não fosse assim, provavelmente gastaria em torno de R$ 3 mil na customização. “O artesanal tem um valor muito maior, a caminha é muito maior…sem comparação”, indagou ele, que também me explicou que as bikes ganham um tema novo a cada ano. A bike de Levi levou oito anos para ficar do jeito que está. A caminhada, realmente, é longa.

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A história toda começou em 1999, quando Levi foi da pesquisa à customização e personalização de bikes. Atualmente são 15 membros, que atravessam fronteiras, passando pelo Brasil, Rússia e Japão. Sim, fiquei chocada com essa última informação.O Japão é o mais forte, até mais que os Estados Unidos. Temos uma extensão lá, com membros ativos”, disse. Algumas das bicicletas são para colocar na rua, enquanto outros, chamadas de “bike show” servem só para exibição mesmo. A união toda é celebrada dia 13 de março, quando é aniversário do clube e eles convidam outros clãs para fazer parte da reunião, trocar ideia e expor suas bikes, é claro.

A cultura lowrider teve início através dos mexicanos que viviam na periferia de Los Angeles, em meados de 1950. Inicialmente, os carros ganhavam modificações simples, com suspensão regulável (deixando-os rebaixados) e tinham o intuito de “chamar a atenção das garotas”. Isso acabou sendo um forte símbolo da cultura chicana no Estados Unidos e se expandiu para outras cidades. Em videoclipes, rappers como Dr. Dre, Ice Cube e Snoop Dogg popularizaram os lowriders ao redor do mundo, além do jogo Grand Theft Auto – San Andreas, que ganhou até uma bike personalizada no Encontro de Hip Hop. Foi um dia de não só espalhar vários elementos culturais, mas de agregar conhecimento, conexões, estilos de vida que embalam rimas e seguem o mesmo ritmo.

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Todas as fotos © Brunella Nunes

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