Projeto na Bahia usa arte e educação para transformar a vida de jovens em situação de rua
A arte tem um poder transformador muito
forte. Indo além de desenvolver um dom ou aptidão, ela acolhe e
desenvolve um papel fundamental na sociedade. Fomos conhecer o Projeto Axé,
em Salvador – Bahia -, que tem como missão abrir portas para crianças,
adolescentes e jovens em vulnerabilidade descobrirem seus desejos artísticos através de workshops.
Fundado em 1990 pelo ítalo-brasileiro Cesare de Florio La Rocca,
a organização não-governamental defende os direitos deste público que,
em grande parte dos casos, vive em situação de rua. A educação aliada a
arte é uma das premissas para oferecer a estas mentes pensantes um
horizonte muito maior do que as vias por onde andam, ampliando suas
oportunidades e desenvolvendo as aptidões.
Através de estímulos e vínculos,
constroem pontes para que estas crianças e adolescentes, entre 5 e 21
anos de idade, saiam das ruas para ingressarem em Unidades Educativas,
espaços pedagógicos onde se realizam atividades lúdicas, artísticas e
culturais, baseadas nos princípios da ética e dos Direitos Humanos.
Segundo Marcos Cândido,
um dos idealizadores do Axé, a iniciativa leva a eles o contato com
quatro linguagens de arte que são escolhidas a partir do desejo. Nada é
obrigatório e assim funciona essa aproximação, com base na proposta de ArtEducação
criada por Cesare e acompanhada pelo educador Paulo Freire ao longo de
cinco anos. É muito enriquecedor entender também o quanto são valiosas
as pessoas que vivem na rua, que tantas vezes são vistas como marginais,
como a escória da sociedade.
Muito pelo contrário! Estes meninos e
meninas não se deixam imbecilizar pela escola, não se deixam ser
violentadas pela família, vão para a rua porque querem viver melhor. “Se
prestarem a atenção, elas não procuram os espaços urbanos feios,
horrorosos, e sim os espaços que têm mais beleza, onde tudo é mais
bonito, as pessoas são mais educadas e onde as relações que eles podem
ter são mais saudáveis”, discursou Cândido, que extrai essa riqueza
no meio do caos e lapida estes seres cheios de autonomia,
criatividades, vitalidade e independência.
“A gente acredita que os seres
humanos vão aprendendo as coisas juntos. O que as crianças fizeram foi
encontrar no espaço da rua aprendizagem e socialização. É muito desumano
de um lado, porque essa criança é confrontada a todo minuto com a questão da sobrevivência. A todo minuto elas matam um leão. Isso as torna muito fortes e ao mesmo tempo traz um legado que pode ser usado para o mal ou para o bem”, pontuou.
Em visita à matriz do projeto, no
Pelourinho, tive contato com este universo cheio de descobertas, com
meninos e meninas que pintam, bordam, costuram e recorrem à música para
aliviar suas dores. Uma turma de garotos entre 13 e 17 anos estava
empenhada na aula de desenho e, no meio deles, apenas uma garota,
grávida aos 14 anos. Muito tímida e compenetrada, estava ali porque
gostava da arte e quer levar isso adiante como profissão.
A escolaridade, ou melhor, a falta dela,
traz um grande desafio para este sonho, mas ele não é impossível, não.
Tem uma galera que sai de lá e segue rumo a faculdade. Este foi o caso
de Fábio Bastos Cardoso, que em 1997 – aos 13 anos –
entrou para o Axé na área de serigrafia de estampa. Depois da vivência
com as atividades, se apaixonou pela área artística e em 2003 conseguiu
viajar para a Itália para fazer um curso de moda.
Assim seguiu sua vida e carreira brilhante. “Terminei
o segundo grau em 2009 e passei em artes plásticas na Universidade
Belas Artes. Me formei em 2013 e hoje trabalho na área de artes visuais”,
me contou, orgulhoso do que o projeto o ajudou a conquistar. Ali foi
aberta a primeira porta para que ele costurasse um futuro de maiores
oportunidades.
Em parceria com a Ford e a Ford Fund –
fundo social da empresa que é destinado a ações globais dedicadas a
comunidades, educação e segurança – dentro do Axé também há espaço para
as mães. Por meio de aulas de modelagem, corte e costura, a mulheres em
situação de vulnerabilidade em
Camaçari, a cerca de 1
hora de Salvador, são treinadas para costurarem mochilas
ecossustentáveis produzidas com o reaproveitamento de uniformes antigos
de funcionários da montadora, que passam por processo de higienização
antes de serem entregues ao programa.
Nessa turma conheci Maria de Fátima dos Santos,
53 anos, mãe de nove homens e uma menina. Ela estava separando os
tecidos junto com uma porção de mulheres enquanto três de seus filhos
faziam oficinas no Axé. Aliás, suas 10 crias já passaram ou ainda estão
dentro do projeto que consegue impactar uma família inteira.
Ela e o marido estão desempregados, então ela vive de bico e da bolsa de R$ 280 que recebe da ONG. “Vivo com uns R$ 300 por mês. Isso é o meu sustento. Quando consigo faço umas faxinas, lavo roupas para os outros. Aqui eu aprendi e peguei gosto pela costura, não sabia nada“, me disse, mesmo focada no trabalho que estava fazendo e que pode virar mais uma renda familiar futuramente.
As mochilas que a Maria ajuda a fazer
chegam a 2 mil unidades, que são doadas anualmente aos alunos da rede
municipal de ensino de Camaçari. Quando estávamos por lá rolou a
cerimônia de entrega de 10 mil mochilas e a cerimônia de formação de uma turma de alunos do Projeto Axé.
Foi uma coisa linda ver a evolução do projeto como um todo.
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